O documento desta segunda-feira (6) do Ministério da Saúde de Singapura reproduzido pelo jornal The Straits Times, informa que, em 25 horas, houve 66 novos casos da covid-19 no país, uma cidade Estado- localizada ao sul da Malásia e centro financeiro global. Embora o dado seja preocupante em uma nação que se tornou exemplo de contenção do coronavírus e contabiliza até agora 1,3 mil infecções e seis mortos, não é apenas as estatísticas que chamam a atenção no relatório.
É a precisão, o detalhe. Nas quatro páginas de texto, há informações do tipo: “um dos novos casos confirmados (caso 1335) está ligado a dois casos anteriores (casos 1182 e 1294), formando um novo foco na pré-escola Little Gems Preschool (3 Ang Mo Kio Street 62)”. Se você colocar esse endereço no Google Maps irá ver que ali funciona, de fato, uma escola infantil. Outro dado do relatório: “Três dos casos confirmados anteriormente (casos 880, 1190 e 1241) estão agora ligados ao novo foco do dormitório Kranji (12 Kranji Road)”.
Os números identificam cada um dos pacientes, cujos nomes são mantidos sob sigilo do público. Mas o governo sabe a identificação de cada um, onde mora, os nomes e telefones das pessoas com as quais se relacionou, onde esteve nas últimas semanas e até se tomou um táxi ultimamente - e o nome e o prefixo do taxista.
Esse monitoramento exaustivo é responsável, em parte, por Singapura, com 5,6 milhões de habitantes (quatro vezes o tamanho de Porto Alegre) ter se tornado modelo de contenção da covid-19. As autoridades de saúde seguiram a chamada cadeia do vírus. Com testes massivos, cada pessoa identificada com a doença foi rapidamente isolada. E todas as pessoas com as quais ela teve contato também foi colocada em quarentena. Uma força-tarefa foi montada para entrevistar pacientes vindos do Exterior - o aeroporto de Singapura é um hub de voos internacionais, que são redistribuídos para todo o Sudeste Asiático, logo um foco perfeito para o ingresso do coronavírus. Apesar de seus elos econômicos e geográficos com a China, o país conseguiu, graças a essas medidas, manter os números baixos.
Imagens de câmeras de segurança em empresas de transporte e hotéis também ajudaram. Os testes para detecção do vírus são gratuitos, e o governo arca com as despesas médicas de casos suspeitos ou confirmados. Segundo um estudo da Universidade de Harvard, Singapura identificou três vezes mais casos do que a média global.
O conjunto de medidas foi um aprendizado de outra epidemia - a sars, em 2003. Funcionou, e o primeiro-ministro Lee Hsien Laang virou exemplo de líder, destacado pela revista Time, ao lidar com a crise perante a população. Quando foi preciso elevar o alerta no país, ele foi à TV explicar o que o governo estava fazendo na tentativa de conter eventuais crises de pânico. A vida pública permaneceu quase inalterada.
Esse rigor e o sucesso das medidas estão agora em xeque. Restaurantes, shoppings, escolas e escritórios que permaneceram abertos serão fechados a partir desta terça-feira (7) por um mês. Os novos casos levaram o governo a impor medidas drásticas de isolamento social semelhantes às vividas por nós, no Ocidente. Quem desrespeitar, por exemplo, regras de distanciamento social de um metro em filas em locais públicos pode pegar seis meses de detenção e multa de US$ 7 mil.
As medidas colocam sob pressão especialmente os trabalhadores migrantes, que vivem em geral nos dormitórios, como o da Kranji Road, do início deste texto. O governo ordenou que 20 mil trabalhadores estrangeiros fiquem em seus dormitórios por 14 dias. Dois locais foram isolados, um com 13 mil trabalhadores e 63 casos de coronavírus, e outro com 6,8 mil e 28 casos. Esses locais normalmente abrigam homens do sul da Ásia que trabalham em setores como limpeza e construção civil. Confinados, os trabalhadores receberão três refeições por dia - alguns se queixam de condições de superlotação e sujeita. O lockdown, que começa nesta terça-feira, é um retrocesso depois do sucesso do modelo. Principalmente pela maneira como o país, parcialmente livre, segundo a Freedom House, começa a tratar os migrantes trabalhadores (cerca de 1,4 milhão dos 5,7 milhões de habitantes).