Boris Johnson não pode errar de novo, sob pena de jogar fora seu capital político conquistado pelo Brexit bem-sucedido, quando o coronavírus recém batia à porta da Europa, em 31 de janeiro.
Hoje, o Reino Unido tem o maior número de óbitos por covid-19 no continente e é o quinto no mundo (atrás de Estados Unidos, Brasil, México e Índia). E isso se deve em boa parte à estratégia equivocada de Johnson ao enfrentar a crise. Inicialmente, ele negou a gravidade do coronavírus, mesmo quando a pandemia já havia deixado um rastro de mortes e sistemas de saúde colapsados no norte da Itália, na Espanha e em parte da França. Em seguida, o primeiro-ministro apostou na chamada "imunidade de rebanho". E só depois que ele próprio, Johnson, foi infectado - a ponto de necessitar de tratamento em UTI -, é que resolveu apertar as medidas de restrição com um tardio lockdown no arquipélago de Sua Majestade.
O abre e fecha foi acompanhado de mensagens contraditórias à população que, a certa altura, não sabia se deveria ficar em casa ou se já poderia sair à rua. O Reino Unido viveu uma tragédia particular, com Johnson no hospital, e outra como nação - os prognósticos mais pessimistas projetavam 66 mil mortes por coronavírus no país - até esta segunda-feira (24), segundo a Universidade Johns Hopkins, foram 41,5 mil óbitos.
Agora, quando o outono no Hemisfério Norte bate à porta, o retorno às aulas virou cavalo de batalha do governo - e o maior desafio do governo, que considera a volta de “importância vital”. Há pelo menos um mês, Johnson vem visitando colégios onde as atividades já foram retomadas - em especial, de educação infantil. O retorno em todo o país está previsto para a semana que vem. No domingo (23), ele transmitiu uma mensagem, tentando tranquilizar os pais:
- Já falei anteriormente do dever moral de reabrir escolas para todos os alunos com segurança. Sempre fomos orientados por nossos especialistas científicos e médicos, e agora sabemos muito mais sobre o coronavírus do que no início do ano.
Johnson está ancorado em um estudo de consultores médicos nas quatro regiões britânicas que indicaram que, a longo prazo, os riscos para as crianças de não frequentar as aulas são maiores do que o retorno delas aos colégios neste momento em que o coronavírus ainda é uma ameaça. Como na maioria das nações do lado de lá e do lado de cá do Atlântico, o governo britânico tem pressa em retomar a vida normal - no Reino Unido, a economia sofreu uma retração de 20% no último trimestre. Mas especialistas alertam que se o nível de contato entre as pessoas voltar a ser o mesmo de março, a curva epidêmica também retornará aos patamares daquele mês - o que levaria a novos lockdowns.
A campanha e o discurso político são ensombrecidos pelas estatísticas: há quatro dias seguidos o país registra mais de mil novos casos a cada 24 horas.
Se os consultores do governo tentam comprovar que é seguro retornar, outros médicos - e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) - recomendam o contrário: afirmam que o contágio em massa de crianças poderia fazer o vírus se espalhar para os demais integrantes da casa. Epidemiologistas também alertam que novas infecções em decorrência do retorno podem levar as escolas a paralisarem novamente as atividades dentro de um mês - o efeito colateral seria a falta de continuidade, também prejudicial à educação.