Na nota técnica “O retorno às aulas presenciais no contexto da pandemia da Covid-19: contribuições para o debate público”, o movimento Todos Pela Educação indica que as experiências de países que passaram por situações de crise e suspensão prolongada das aulas demonstram que é possível retornar com um sistema melhor e mais forte de ensino, aprendendo com as necessidades e respostas que já estão sendo – ou serão – aplicadas em caráter emergencial.
A Dinamarca reabriu creches e escolas do ensino básico depois de 34 dias de portas fechadas. Também a Alemanha, com controle exemplar do coronavírus, determinou a reabertura de escolas em meio a reforçadas medidas de segurança. Um relatório da Agência Federal do Trabalho alemã, inclusive, apontou que o fechamento de escolas e creches foi a medida de contenção do novo coronavírus que mais contribuiu para reduzir os contágios no país.
Na China, mais de 107 milhões de estudantes voltaram às aulas recentemente: todos de máscaras e respeitando as medidas de saúde impostas, após quatro meses de férias forçadas devido ao vírus. O número representa quase 40% do total de estudantes do país.
Na França, o retorno gradual às aulas, desde segunda-feira (11), tem demandado algumas adaptações das instituições de ensino em meio à pandemia de coronavírus.
A imagem de uma pré-escola que encontrou uma solução improvisada para manter a distância entre alunos pequenos, demarcando, no chão, onde eles devem ficar, tomou as redes sociais nos últimos dias. As medidas foram adotadas para que os alunos, na faixa dos 4 anos, mantivessem uma distância segura entre si, respeitando as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A iniciativa de delimitar os espaços no chão foi ideia da própria escola, não uma determinação nacional.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?e
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Volta às aulas no RS
O retorno às aulas presenciais no Rio Grande do Sul ainda não tem data certa. O governador Eduardo Leite afirmou que na próxima semana serão divulgados os protocolos para a volta na rede privada, contemplando as regras para retorno das atividades na educação pública e privada no Estado. A rede pública estadual não deve voltar antes de junho, e a expectativa é de que o ano letivo termine em janeiro de 2021. Em sua fala, Leite indicou que a retomada será gradual, com uso de educação a distância.
Educadores avaliam, em consonância com o que pregam os médicos e cientistas, que esse não é o momento para ter pressa. O retorno imediato das aulas presenciais é algo considerado inconcebível, ao menos enquanto ainda houver um registro grande de novos casos e mortes e pouca perspectiva de controle da disseminação do coronavírus. Quando, então, será hora de voltar?
— A primeira coisa é garantir a segurança através de bons protocolos sanitários, condições de infraestrutura adequadas. Todos profissionais das escolas terão de ser treinados para implementar os protocolos previstos. Os esforços terão de ser intersetoriais, desde secretarias de educação à saúde, em contato direto para acompanhar o estado de alunos e docentes, até a assistência social, para lutar contra a evasão e os problemas de acessos dos mais vulneráveis, além de conselhos tutelares em contato permanente — explica o doutor em Educação Gregório Grisa.
Em um segundo momento, afirma o professor, após uma avaliação diagnóstica, terá de ser planejada a reposição de conteúdos e programas de reforço pedagógico. Esses programas devem durar até o fim do ano letivo ou além dele, conforme durar o distanciamento social.
Teremos diante de nós, problemas emocionais, questões psicológicas e sociais de docentes e alunos que são mais amplas e merecem o foco das primeiras acolhidas
GREGÓRIO GRISA
Doutor em Educação
Diante da impressão de que muitos pais e alunos entendem que o retorno às aulas, quando acontecer, deve promover uma intensificação das lições devido aos "dias parados", Grisa afirma que há de se ter um cuidado para não sobrecarregar alunos e professores, e defende uma flexibilidade curricular, entendendo que o conteúdo em si não pode ser a centralidade do retorno.
— Teremos diante de nós, problemas emocionais, questões psicológicas e sociais de docentes e alunos que são mais amplas e merecem o foco das primeiras acolhidas. No que tange ao ensino, devemos focar mais em habilidades do que em conteúdo, ofertar trabalhos por projetos mais do que através das disciplinas isoladamente. Cobrar comprometimento de todos deve ser uma constante, mas cobrar apenas e não ofertar condições de trabalho e estudo pode não ser produtivo — define ele.
Nesse retorno, que deve ser controlado, seguro e gradual, os educadores entendem que se deve reinventar as formas de interagir: ao mesmo tempo que a ansiedade por vencer o calendário estará presente, será preciso entender cada perfil de estudante e contexto para propor atividades coerentes com o momento e pavimentar um caminho futuro de mudanças positivas para a educação. Para o professor Cleber Prodanov, não é o momento de se ficar preocupado com recuperação e horários, algo que, ele avalia, ainda é um reflexo da mentalidade que continua a ensinar o que já é conhecido.
— Nós temos uma opção a fazer: ou continuamos a ensinar o que já é conhecido, com questões como memorização e conteúdo, ou partimos para estimular um ambiente educativo, que trabalhe com uma busca autônoma, criatividade, curiosidade, risco, uso de novas tecnologias e interações entre as pessoas e suas. Acredito que não temos mais tempo para escolher, temos que observar que esse momento da pandemia acelerou um processo de mudança que está nos atropelando. Ficar preso a uma questão de apenas recuperar significa ficar preso a um passado onde não se produzia conhecimento, e sim, reproduzia.