De uma hora para a outra, logo no início de um ano letivo, professores que nunca tinham gravado conteúdo online estavam à frente das câmeras dos próprios celulares. Estudantes descobriram um mundo de lições na internet e perceberam que podem aprender bastante mesmo fora da sala de aula. Pais ficaram sabendo que podem encontrar propostas educativas, com vídeos ou transmissões ao vivo, até para as crianças pequenas. E podem fazer em conjunto. Ao mesmo tempo, escancarou-se a falta de treinamento e o pouco apoio garantido aos docentes em todos os níveis.
Ficou nítido o abismo que separa estudantes de diferentes classes sociais e os variados desafios enfrentados pela rede privada e, principalmente, a pública. Enquanto alguns alunos lidam bem com o ensino a distância, outros nem sequer têm um dispositivo com acesso estável à internet.
Especialistas sugerem que os desafios atuais podem levar o país a seguir o exemplo educacional de locais como a Finlândia, destaque no ensino que retomou há poucos dias algumas aulas com série de regramentos, e até da China, potência recente na educação mundial, onde também, com segurança, estudantes já estão retomando as lições presenciais.
E está justamente nessa superação dos desafios impostos atualmente o caminho apontado por educadores para levar a um possível novo patamar o ensino no Brasil, espelhado em modelos que já vigoram em países que são exemplos em educação.
– Embora muitas pessoas acreditem que os modelos tradicionais, na maioria das vezes ligados àquilo que vivemos e a nossas formações passadas, seja o melhor a ser oferecido, as melhores experiências mundiais hoje, como as finlandesas, desmentem isso. A educação não pode ser um reflexo da sociedade do passado, ela tem de ser protagonista – destaca o professor da Feevale Cleber Prodanov.
Embora muitas pessoas acreditem que os modelos tradicionais seja o melhor a ser oferecido, as melhores experiências mundiais hoje, como as finlandesas, desmentem isso
CLEBER PRODANOV
Doutor em Histórica Social
Esses novos modelos de educação demandam participação ativa do aluno, garantindo mais autonomia mas também cobrando maior comprometimento. São características comuns de se encontrar nas universidades, por exemplo, com alunos já adultos, enquanto há dificuldade de desenvolvê-las no Ensino Médio e, especialmente, no Ensino Fundamental e na Educação Infantil. Mas essas áreas podem aproveitar as tecnologias.
– No Ensino Superior já há uma adaptação maior ao uso de tecnologias, de disciplinas de educação a distância, então é mais natural a adaptação a recursos tecnológicos do que no ensino básico. Também há uma capacidade de autonomia e de aprendizagem maior – explica Adriana Kampff, doutora em Educação e professora da PUCRS.
É preciso observar, contudo, que o aprendizado rumo a um ensino renovado, da forma como vem sendo feito em meio a uma pandemia, está longe de ocorrer da maneira ideal, exigindo dos educadores e estudantes uma adaptação forçada e, muitas vezes, sem as ferramentas necessárias. Ainda assim, especialistas apontam que essas mudanças podem ter impacto significativo para o desenvolvimento da educação no país.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Reconstrução
Há quatro aspectos principais que podem ser tornar legados importantes para a educação a médio e longo prazo: o esforço permanente de articulação entre diferentes setores, a recuperação da aprendizagem tornada política contínua, o fortalecimento da relação família-escola e a tecnologia como aliada. Quem aponta isso é o movimento Todos Pela Educação, a partir da experiência em indicar caminhos possíveis e necessários para o crescimento do ensino brasileiro, contando ainda com a contribuição de ex-gestores públicos com ampla experiência em diferentes regiões do país.
A educação, todos concordam, é um pilar fundamental para a reconstrução de um país após crises profundas.
– Essa crise está nos mostrando duas coisas que podem parecer contraditórias à primeira vista, mas não são. A primeira é que na educação, nada substitui as atividades presenciais e o professor, a segunda é que nunca foi tão necessário saber sobre e usar as tecnologias. Países e redes de ensino que já usavam de maneira mais madura e de forma complementar o ensino mediado por tecnologias estão conseguindo maior êxito no ensino remoto – avalia Gregório Grisa, doutor em Educação, pós-doutor em Sociologia e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
Grisa reforça que a interação na escola e o papel do professor sairão muito fortalecidos da crise: além do ensino, constituem um bem cultural, civilizatório. Ao mesmo tempo, ele define que o uso de novas tecnologias como auxiliar no processo de ensino precisa ser em escala maior, não para substituir o ensino presencial – pois não há essa equivalência –, mas para que se tenham recursos mais qualificados quando se enfrentar crises como essas.
Países que já usavam de maneira mais madura o ensino mediado por tecnologias estão conseguindo maior êxito no ensino remoto
GREGÓRIO GRISA
Doutor em Educação
Foi a partir de aprendizados assim que os países que são destaque em educação alcançaram o topo, reforça o doutor em História Social Cleber Prodanov:
– Hoje, a sala de aula ainda é bastante tradicional, e aí pode ser que tenha uma possibilidade. Precisamos mudar esse espaço, para que não seja tão tradicional, que possa ser um espaço aberto, para aproveitar novas tecnologias e mudar a maneira como ensinamos e aprendemos. Para repensar a sala de aula, nessa nova dimensão que surge, temos de repensar o papel do aluno, do professor, da escola e do uso das novas tecnologias. Esse é o aprendizado que vamos ter de ter. Vai afetar profundamente o ensino, como afetou todas as outras áreas e atividades.
Já Grisa avalia que a formação continuada de professores terá de se tornar mais prática, tendo foco maior no domínio das ferramentas digitais, mas salienta que há casos Brasil afora de professores se desdobrando, aprendendo e propondo ações remotas interessantes para não deixar os alunos parados.
A professora Adriana Kampff avalia, ainda, que ficará guardado, deste momento, o sentimento de empatia:
– De entender as realidades diversas, entender que às vezes a internet falha. Fica a aprendizagem sobre flexibilidade, sobre organizar novas metodologias, novas formas de avaliar o estudante e assegurar suas aprendizagens. Fica também a ideia da colaboração entre professores, gestores, estudantes.