Da morte do general Qassem Soleimani à reação iraniana contra bases dos americanos, o Oriente Médio esteve perto de uma guerra total nesses primeiros dias de 2020. Palco da disputa de interesses entre Estados Unidos e Rússia e seus aliados locais, a região emerge da crise marcada por mudanças que terão impacto na geopolítica a curto, médio e longo prazos. O enfrentamento militar direto entre Estados Unidos e Irã – a eliminação do oficial iraniano e a resposta dos aiatolás – acabou fortalecendo os discursos internos dos governos de Donald Trump e dos aiatolás: o americano golpeou a estratégia do Irã no Oriente Médio ao decapitar o cérebro das operações clandestinas no Exterior, e o Irã protagonizou um ataque convencional a instalações da maior potência militar do planeta. Em resposta, os iranianos receberam mais sanções econômicas, mas livraram-se, por enquanto, de um ataque que culminaria em mudança de regime.
No tabuleiro de xadrez, o Irã xiita aumenta sua influência sobre o Iraque – para temor da Arábia Saudita, que recua algumas casas na busca por hegemonia. A possível saída americana do antigo país de Saddam Hussein deixaria aliados regionais americanos, como Israel e os sauditas, vulneráveis. O Iraque, aliás, corre o risco de voltar a seus dias de guerra e se tornar uma espécie de Iêmen, palco principal da batalha entre iranianos e sauditas. Esfacelada por conflitos, volta a ser atraente para os terroristas do Estado Islâmico.
A Rússia tenta, por meio do Irã e da Síria, limitar a influência política dos EUA na região. Os laços econômicos entre os dois países também tem ajudado o governo do presidente iraniano, Hassan Rouhani, a sobreviver às sanções econômicas impostas pelos EUA. Vladimir Putin exibiu sua influência em plena escalada de tensão no Oriente Médio ao visitar Bashar al-Assad e visitar tropas russas na Síria esta semana. De tabela, mandou um recado militar a Trump: supervisionou um exercício no Mar Negro que envolveu 30 navios, um submarino de ataque e 40 aviões — inclusive dois MiG-31K que dispararam mísseis hipersônicos Kinjal. Sua intervenção na Síria manteve o ditador Al-Assad no poder. O crescimento da influência do Irã sobre o Iraque e a possível saída das tropas americanas do país serão vitórias para Putin, que ocupa o vácuo deixado pelos americanos.
Enquanto Irã e EUA rugiam, a Rússia consolidava-se como poder na região. Nem uma folha se mexe na Síria, no Irã e no Iraque sem que o Kremlin saiba. É o único ator que se dá bem com todos: inimigos e aliados americanos. Essa vantagem posiciona Vladimir Putin como o negociador da guerra e da paz no Oriente Médio.