Da morte do general Qassem Soleimani à reação iraniana contra bases dos Estados Unidos, o Oriente Médio esteve muito perto de uma guerra total nesses primeiros dias de 2020. A coluna analisa como cada país e seus governantes saem da crise.
Estados Unidos e Trump
O resultado da arriscada decisão da Casa Branca de eliminar o general iraniano Qassem Soleimani é positivo para o governo Donald Trump: de uma só vez, eliminou o cérebro militar por trás do regime dos aiatolás, homem que os Estados Unidos consideravam uma ameaça aos interesses americanos, e desviou, por alguns dias, o foco do processo de impeachment. Internamente, Trump agradou a seu público — não abriu uma guerra aberta contra o Irã, o que contrariaria sua promessa de campanha de se afastar dos problemas do Oriente Médio para cuidar da economia, mas atuou como "xerife" do mundo — posição de líder do mundo livre, que o cidadão médio americano aprecia. O fato de não ter ocorrido mortos no ataque no deserto iraquiano contribuiu para amenizar a tensão. A médio e longo prazos, as repercussões geopolíticas da morte do general podem trazer reveses aos Estados Unidos, mas, por enquanto, os americanos saíram por cima.
Irã e os aiatolás
A eliminação do general Soleimani foi um golpe ainda não assimilado pela cúpula militar iraniana, em especial a Guarda Revolucionária, que exige uma vingança proporcional a sua perda. Até que ponto as autoridades civis do Irã conseguirão conter os ímpetos revanchistas da linha-dura é uma incógnita. O governo iraniano se disse satisfeito com o ataque às bases americanas, ao que parece uma operação cuidadosa para evitar perdas humanas — o que poderia gerar uma reação militar dos EUA e a consequente guerra direta entre Irã e Estados Unidos, com reflexos em toda a região. O regime saiu fortalecido: nada como um inimigo externo comum para unificar a população e silenciar críticos. Em nível externo, não é desprezível a ação do Irã, que fez um ataque direto, convencional, à maior potência militar do planeta. Revés: sofreram a imposição de novas sanções pelos americanos. Como resultado da morte de Soleimani, os iranianos parecem que irão atingir parte seus objetivos: ver os EUA fora do Iraque.
Israel e Netanyahu
Um dos prováveis alvos do Irã em caso de retaliação americana, Israel procurou se manter à distância da briga entre EUA e os aiatolás. Obviamente, o governo apoiou os americanos — Benjamin Netanyahu chamou Soleimani de "chefe terrorista" e arquiteto da campanha de terror no Oriente Médio" — mas parou por aí. Na terça-feira, a informação de que o Irã teria ameaçado atacar Haifa, no norte de Israel, e Dubai, principal cidade dos Emirados Árabes Unidos, chegou a ser divulgada, mas depois descobriu-se que ela vinha de uma conta do Telegram apócrifa, que nada tinha a ver com autoridades iranianas. O país também conseguiu passar ileso de possíveis ações do Hezbollah, milícia libanesa apoiada pelo Irã. A morte de Soleimani, principal articulador iraniano para desestabilizar regimes pró-americanos, é um alívio para Israel. Mas preocupa o crescimento da influência do Islã xiita sobre o Iraque.
Síria e Al-Assad
Por muitos anos, a Síria foi o único país árabe que teve um bom relacionamento com o Irã persa. Soleimani desempenhou um papel essencial no manejo das forças respaldadas pelo Irã e que apoiam o ditador Bashar Al-Assad. Por isso, a morte do general foi, também, um golpe para o presidente sírio. O apoio do Irã a Assad é visto como crucial para a manutenção dele no poder apesar das pressões internas e externas, sobretudo dos Estados Unidos. O presidente sírio teria sido salvo por forças iranianas quando rebeldes cercaram Damasco e se apoderaram de cidades importantes do país. Em uma demonstração de prestígio, Al-Assad recebeu na terça-feira o presidente russo, Vladimir Putin, no país, em um dos momentos mais tensos da história recente do Oriente Médio.
Arábia Saudita e os Saud
A médio prazo, os sauditas, principais rivais do Irã na região, se beneficiam com a morte de Soleimani _ que era o arquiteto da estratégia da República Islâmica para o Oriente Médio. Mas ao matar o general, os EUA expuseram seu aliado na região a represálias. Arábia Saudita, que briga com o Irã pela hegemonia regional, tentou acalmar os ânimos. A exemplo de Israel, manteve-se afastado. O país já foi alvo de drones iranianos recentemente, que atingiram refinarias. Uma delegação esteve em Washington pedindo calma. Ficou claro que os sauditas não estão felizes com essa crise, mesmo que tenham comemorado a morte de Soleimani. Sabem que ficariam no fogo cruzado se uma guerra começasse. O país deve se preocupar com a possível saída das tropas americanas do Iraque e, na balança de poder, perdeu força _ com os xiitas aumentando influência sobre o Iraque. A saída do Irã do acordo nuclear também pode levar os sauditas a terem interesse em desenvolver um programa atômico _ esse desejo nunca foi à frente porque os EUA não permitiram.
Iraque e os xiitas
Depois de décadas de ditadura Saddam Hussein, a invasão e ocupação americana, uma guerra civil e o horror do Estado Islâmico, o Iraque agora é palco indireto da disputa entre Irã e Estados Unidos. Foi no país que tudo aconteceu nos últimos dias: da eliminação do general Soleimani, no aeroporto da capital, à retaliação iraniana, contra as bases americanas de Erbil e Al-Asad. Estamos observando o fim da relação do Iraque com os EUA (o parlamento aprovou a expulsão das tropas americanas). A morte de Soleimani fortaleceu ainda mais a ligação entre Irã e Iraque, antigos inimigos regionais.
Rússia e Putin
A Rússia tenta, por meio do Irã e da Síria, limitar a influência política dos EUA na região. Os laços econômicos entre os dois países também tem ajudado o governo do presidente iraniano, Hassan Rouhani, a sobreviver às sanções econômicas impostas pelos EUA. Vladimir Putin exibiu sua influência em plena escalada de tensão no Oriente Médio ao visitar Bashar al-Assad e visitar tropas russas na Síria esta semana. De tabela, mandou um recado militar a Trump: supervisionou um exercício no Mar Negro que envolveu 30 navios, um submarino de ataque e 40 aviões — inclusive dois MiG-31K que dispararam mísseis hipersônicos Kinjal. Sua intervenção na Síria manteve o ditador Al-Assad no poder. O crescimento da influência do Irã sobre o Iraque e a possível saída das tropas americanas do país serão vitórias para Putin, que ocupa o vácuo deixado pelos americanos. Tem boas relações com praticamente todos os países da região — inclusive com Israel e as potências do Golfo, tradicionais aliados americanos.