Recentes derrotas de amigos e inspiradores do presidente Jair Bolsonaro na arena global podem servir de lição ao setor ideológico do governo.
Na Itália, o líder da extrema-direita Matteo Salvini, próximo do chanceler Ernesto Araújo e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), tentou uma manobra que, se desse certo, poderia levá-lo a se tornar o primeiro-ministro. Encaminhou moção de censura ao governo, conduziu o Executivo ao colapso e pôs em marcha seu plano de poder e domínio da política. Deu errado. Não esperava que seus rivais do Partido Democrático (PD, centro-esquerda) se unissem a seus antigos aliados do Movimento 5 Estrelas. A maioria parlamentar foi refeita às avessas (sem a Liga, ultranacionalista) e o primeiro-ministro Giuseppe Conte foi reconduzido ao cargo. Salvini ficou sozinho.
A Itália é a espinha dorsal do plano do ex-estrategista de campanha de Donald Trump Steve Bannon — seguido a risca por Bolsonaro, Araújo e Eduardo — de criar o movimento da "nova" direita mundial: populista para os críticos, soberanista para os adeptos.
Os outros integrantes são a Polônia do ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski e a Hungria de Viktor Orbán. Com Salvini, Araujo e Eduardo fizeram Live pelo Facebook comemorando a extradição de Cesare Battisti e preparando uma viagem de Bolsonaro no segundo semestre — que, com os reveses recentes por lá, deve ser reavaliada pelo Itamaraty. O PD é próximo da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente francês, Emmanuel Macron, com quem Bolsonaro dinamitou pontes nos últimos dias.
Outro amigo do presidente brasileiro que não anda bem na foto é Benjamin Netanyahu. Seu partido, o Likud, venceu a eleição em abril, mas o político não conseguiu integrar os partidos de direita para ter maioria suficiente para governar. Os israelenses irão novamente às urnas em 17 de setembro, aprofundando a paralisia institucional que afeta o país há meio ano. Netanyahu pode perder ou, mais uma vez, não conseguir formar um governo se vencer. Além disso, pode ser condenado por corrupção pela Justiça.
O premier britânico, Boris Johnson, não é da mesma turma de Bolsonaro, Salvini, Orbán e Kaczynski — ao contrário desses, é defensor de amplos direitos reprodutivos para as mulheres (o aborto é legal na terra da rainha), do respeito aos direitos LGBT+ e de medidas de combate às mudanças climáticas. Mas a retórica nacionalista, anti-establishment e em defesa da soberania contra "interferências" de órgãos supranacionais, como a União Europeia (UE) — argumento principal do Brexit — os aproximam. Johnson tentou brincar com a democracia britânica a seu bel prazer, no dia 28 de agosto: conseguiu a bênção da rainha Elizabeth II para fechar o parlamento por cinco semanas para acelerar a saída do Reino Unido do bloco econômico. Se deu mal: perdeu maioria, sofreu duas derrotas consecutivas em Westminster e já não tem nas mãos a caneta para conduzir o Brexit sem acordo.
Do lado de cá do Atlântico, o presidente argentino, Mauricio Macri, outro aliado do governo brasileiro, tenta chegar às eleições de 27 de outubro com o mínimo de chance de evitar o retorno do kirchnerismo (os "esquerdalhas" nas palavras do presidente brasileiro), em meio a uma crise econômica que lembra os insanos dias de 2001.
A história e a tradição recomendam a potências médias, como o Brasil, o pragmatismo na política externa. Por suas vulnerabilidades, não é aconselhável o alinhamento automático com governos e a demonização de outros ou da oposição. O inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã. E vice-versa. Nossa diplomacia sempre soube tirar proveito dessa flexibilidade para ganhar de todos os lados, às vezes explorando a fragilidade de relações entre rivais. Daí as oportunidades comerciais que podem surgir da briga comercial entre Estados Unidos e China. A fidelidade cega a um parceiro, no caso da política externa, não é algo estratégico.