O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, costuma usar a expressão "Novo Itamaraty" presente em seu plano de governo para caracterizar a condução da política externa brasileira, caso seja eleito neste domingo. Embora desagrade diplomatas de carreira, o termo resume o que o presidenciável considera a necessária reorientação do eixo da estratégia brasileira em nível global. Bolsonaro costuma criticar a suposta ideologização do Ministério das Relações Exteriores e a "ênfase exagerada" no multilateralismo. O plano de governo do capitão reformado do Exército propõe o reforço das relações com os Estados Unidos, Israel e a Itália, os três países citados como "democracias importantes": "Deixaremos de louvar ditaduras assassinas", diz o texto.
Bolsonaro prevê medidas de ruptura com a forma como foi conduzida a política externa brasileira nos últimos anos, focada na cooperação Sul-Sul e prioridade à integração regional. Caso seja eleito, o candidato pretende imitar Donald Trump em pelo menos duas decisões: assim como o americano, ele promete transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. A medida é polêmica porque, ao fazer a mudança, o eventual governo estará endossando a cidade sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos como capital israelense. Bolsonaro não reconhece a Palestina como Estado, o que deve levar ao fechamento da representação diplomática em Brasília. O Brasil legitima o Estado Palestino como país desde dezembro de 2010.
À semelhança do presidente dos Estados Unidos, Bolsonaro também tem criticado a China, dizendo que chineses não deveriam ter permissão para comprar terras brasileiras ou controlar indústrias essenciais.
— Os chineses não estão comprando no Brasil. Eles estão comprando o Brasil — afirmou diversas vezes.
Diplomatas do país asiático em Brasília se encontraram com alguns dos principais assessores de Bolsonaro nas últimas semanas. A meta foi ressaltar a cooperação e evitar o esfriamento da relação comercial que representou no ano passado US$ 75 bilhões.
Outra medida que o igualaria a Trump seria a decisão de retirar o país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. No início de setembro, o presidenciável chegou a dizer que poderia sair, argumentando que as premissas previstas no pacto afetariam a soberania nacional. Mas, na quinta-feira, afirmou que o país continuará como signatário.
Em âmbito regional, o plano de governo promete aprofundar a integração com "irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras". Leia-se elevar o tom com o governo Nicolás Maduro, na Venezuela. Bolsonaro repudia o regime bolivariano e deve formar parcerias com os presidentes Mauricio Macri, da Argentina, e Mário Abdo Benítez, do Paraguai, para pressionar o venezuelano.
Sobre a crise migratória em Roraima, o candidato tem afirmado que a solução não é o fechamento da fronteira. Ele reiterou nos últimos dias de campanha que, caso seja eleito, buscará "junto à ONU" a construção de campos de refugiados em Roraima. Um de seus principais assessores, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-comandante das tropas no Haiti e cotado para a pasta da Defesa, tem afirmado que a crise no país vizinho impacta fortemente o Brasil.
Uma fonte próxima ao Itamaraty afirma que não há radicais no ministério. A aposta para chefiar a diplomacia brasileira, no caso de vitória do candidato, é um moderado de centro-direita. O próprio Bolsonaro afirma que, se eleito, vai acabar com a interferência partidária na escolha dos ministros e usar o que chama de critérios técnicos para montar a equipe.
— Tem que ser alguém que tendendo daquele assunto. Assim como na Defesa vai ter um oficial quatro estrelas, no Itamaraty, alguém do Itamaraty.
Durante a campanha, ele chegou a mencionar como chanceler o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, cientista político, empresário, escritor e deputado federal eleito com 118 mil votos pelo PSL-SP. Mas depois de um suposto atrito entre o príncipe e o comando da campanha, Bolsonaro afirmou que o cargo deverá ser ocupado por um diplomata de carreira. Um dos nomes visto como preferido para o cargo é o de Ernesto Fraga Araújo, diretor do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. Ele enviou à cúpula da campanha do presidenciável o artigo Trump e o Ocidente, de sua autoria, que deixou os responsáveis pelo programa de governo e análises bem impressionados: "O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais", afirma o texto.
— Ele é visto como pró-Bolsonaro, um diplomata que considera Trump como garantidor da civilização ocidental — diz uma fonte.
Outros nomes são os de Marcos Bezerra Abbott Galvão, secretário-geral das Relações Exteriores, e do embaixador e ex-ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo no governo Fernando Henrique Cardoso José Botafogo Gonçalves. Ao longo do segundo turno, também foi cogitada para o cargo a ex-senadora e vice de Geraldo Alckmin, Ana Amélia Lemos, uma das primeiras a apoiar o candidato do PSL após a derrota de sua chapa.
Principais pontos do plano de governo de Bolsonaro para a política externa
— Fazer negócio com o mundo todo, sem viés ideológico.
— Parcerias estratégicas com Estados Unidos e Israel.
— Revogar a lei de imigração e fazer campo de refugiados "com a ajuda da ONU" na fronteira com a Venezuela.
— Mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém.
— Reduzir alíquotas de importação e barreiras não tarifárias. Constituir novos acordos bilaterais internacionais.
— Aprofundar integração com países latino-americanos que "estejam livres de ditaduras" e redirecionar eixo de parcerias.