As Coreias fizeram sua parte com todos os requintes que se esperaria de um grande momento da humanidade. Houve aperto de mãos efusivo entre o ditador Kim Jong-un e o sul-coreano Moon Jae-in. E quem imaginaria que o "homem-foguete" era capaz de sorrir? E até cometer uma pequena quebra de protocolo que já entrou para a história: depois de se tornar o primeiro líder norte-coreano a cruzar a pé a fronteira mais perigosa do mundo e pisar no solo da Coreia do Sul, ele cochichou no ouvido de Moon, o pegou pela mão e o levou para o Norte.
Está tudo certo. Basta os avalistas do acordo, os Estados Unidos de Donald Trump e a China de Xi Jinping, não melarem o que está sendo construído e assistiremos, a curtíssimo prazo, a paz duradoura. O próximo passo será o encontro entre o presidente americano e Kim, previsto para maio — ainda sem data exata definida nem lugar.
É natural a cautela da comunidade internacional em se tratando de termos como fiel da balança um presidente intempestivo como Trump, que costuma mudar de opinião várias vezes ao dia. Meu otimismo vem da percepção de que, ao que tudo indica, a vaidade trumpiana falará mais alto. Ele quer passar à História como o presidente que conseguiu o que nenhum outro fez — ou quis fazer — em 68 anos de uma guerra que nunca acabou.
Ainda que os coreanos tenham costurado a aproximação entre eles — com passos simbólicos como a participação da delegação do Norte nos Jogos de Inverno no Sul —, ninguém é ingênuo de achar que, nos bastidores, a China e os EUA ficaram só observando. Talvez só daqui a alguns anos saberemos o que foi acertado no encontro misterioso dias atrás entre o então presidente da CIA, Mike Pompeo, e Kim, antes mesmo de o americano, um dos falcões da Casa Branca, ter seu nome aprovado pelo Congresso como novo secretário de Estado, o cargo máximo da diplomacia. Não a toa, as fotos da reunião "secreta" foram divulgadas pelo governo em Washington um dia antes da festa na fronteira do outro lado do mundo. É um recado de que, por mais que pareça distante, os EUA estão por perto.
A crise coreana é fóssil da Guerra Fria, obedece à lógica de um mundo bipolar que não tem — ou não deveria ter —mais lugar na atualidade. Para ficarmos apenas em alguns exemplos: a Alemanha derrubou o Muro em 1989 e fez a reunificação entre o Leste (comunista) e o Oeste (capitalista) em 1990. Lá se vão 28 anos. No Sudeste Asiático, os dois Vietnãs, em uma geografia muito parecida com a da Península Coreana, se uniram à fórceps depois da invasão das tropas do Norte e a fuga dos americanos, ao fim de uma sangrenta década. Passaram-se 43 anos, e os vietnamitas construíram um dos países mais pacíficos do mundo.
Não sei se sobreviveremos para ver a Península Coreana reunida em uma só nação. Acho que isso não vai acontecer. Só uma rebelião interna das forças armadas ou uma invasão externa seriam capazes de derrubar a ditadura. A primeira não dá sinais de ocorrer porque Kim parece ter o domínio da caserna. A segunda opção é menos provável com o degelo das tensões. Há ainda uma terceira hipótese: o clamor das ruas. Mas, se o ditador cumprir a desnuclearização, as sanções econômicas contra o país, que há décadas ajudam a manter a população a cabresto do regime, serão suspensas. Protestos que derrubam regimes são alimentados mais por forças econômicas do que por ideologias.
Não duvide: o que estamos vendo é histórico. Esta sexta-feira, 27 de abril, é o dia em que a última Cortina de Ferro do planeta ruiu.