O ano 1 da era Donald Trump na Casa Branca, um governo moribundo na Venezuela, a força da extrema-direita na Europa e o sempre presente risco de guerra na Península Coreana: 2017 foi duro no cenário internacional. Houve surpresas, como a explosão do latente separatismo catalão, e decisões polêmicas, como o reconhecimento pelos EUA de Jerusalém como capital de Israel.
O Estado Islâmico está em colapso, mas atentados continuaram a espalhar o terror.
2018 será de eleições importantes. Além do Brasil, Venezuela (com Nicolás Maduro de novo no páreo), México e Itália são países para os quais o planeta deverá olhar. Sem falar na Rússia, onde Vladimir Putin se consolida como um dos homens mais poderosos do globo, com grandes chances de conquistar novo mandato, em março.
A coluna preparou algumas perspectivas – infelizmente, pouco otimistas – para o mundo no ano que está chegando.
1 - TRUMP, O IMPREVISÍVEL
2017 foi o ano em que Trump agitou o planeta: aplicou com força seu slogan “America First”, governou muitas vezes pelo Twitter e imprimiu a arte de ser imprevisível. Três de seus anúncios mais polêmicos são simbolicamente muito fortes e de pesadas consequências, mas têm apenas vocação para satisfazer seu eleitorado. Nenhum se concretiza a curto prazo. A retirada do Acordo de Paris, por exemplo, passa a valer apenas no fim do mandato. O tratado com os iranianos permanece em vigor; e instalar a embaixada americana em Jerusalém levará vários anos. Trump é o presidente americano mais impopular da história recente, conseguiu superar até George W. Bush. O número de críticos cresce até entre antigos aliados – sem falar do rechaço da própria base republicana, que nunca morreu de amores pelo bilionário.
A atitude impulsiva do presidente, sua governança imprevisível e seus tuítes, capazes de desestabilizar aliados em poucos minutos, mantêm o mundo em suspense em temas como Irã, imigração, terrorismo e Coreia do Norte.
2 - DEMOCRATAS DE VOLTA À CENA
Em 2016, os democratas não apenas perderam a Casa Branca como não conseguiram derrubar a maioria republicana no Congresso. O partido quer fazer de 2018 o ano da virada e aposta tudo nas eleições legislativas de meio de mandato.
A vitória no Alabama deve impulsionar. Mas é preciso cautela: na Câmara, onde todos os assentos estarão em disputa, a bancada republicana é muito maior. No Senado, onde os republicanos têm 52 cadeiras contra 46 dos democratas (quando o senador eleito por Alabama Doug Jones tomar posse, em janeiro, terão 47), a virada seria mais fácil. Mas estarão em disputa apenas 33 das cem cadeiras, sendo que 23 dessas são hoje ocupadas por democratas. Ou seja, o partido precisaria manter todas as suas cadeiras e ganhar ao menos quatro das 10 dos republicanos.
3 - AMÉRICA LATINA E A CORRUPÇÃO
Além do Brasil, outro gigante latino-americano realiza eleições no ano que vem. Em 3 de junho, o México vai escolher novos presidente, senadores e deputados federais. Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), deixará para seu sucessor um país com desafios políticos e econômicos. O primeiro será lidar com um vizinho nada amistoso: os EUA de Trump. A construção do polêmico muro na fronteira indica que as relações bilaterais podem ficar mais difíceis. Além da barreira física, o futuro presidente assumirá com um possível novo tratado em relação ao Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte). Internamente, o problema é maior. Segundo pesquisa do Fórum Econômico Mundial, o México é a 10ª nação mais corrupta do mundo.
4 - CUBA E O FIM DA ERA CASTRO
Será um ano histórico na ilha. Em abril, Raúl Castro (foto), irmão de Fidel, irá deixar a presidência. Mesmo assim, continuará como eminência parda do regime. Seguirá à frente do Partido Comunista, o único legalizado em Cuba.
Não deixa de ser simbólico. Pela primeira vez desde a Revolução Cubana, em 1959, um Castro não estará na presidência. Aos 86 anos, Raúl já havia prometido que, ao término de dois mandatos, sairia do cargo.
O ciclo eleitoral ocorre em um momento complicado para o país caribenho, uma vez que a geração revolucionária vai ficando para trás, um programa de reformas econômicas parece paralisado, a ajuda crucial da Venezuela foi reduzida e o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, sinaliza com retrocessos ao acordo de reaproximação alinhavado por Barack Obama.
O sucessor de Raúl deve ser Miguel Díaz-Canel, atual vice-presidente de governo, que terá como desafio a difícil tarefa de estabelecer sua autoridade, consolidando as conquistas da Revolução e dando continuidade à indispensável transição econômica.
5 - A VENEZUELA SE LIQUEFAZ
Principal fator de desestabilização na América Latina, a Venezuela vive uma inflação estimada em 2.300% e uma grave crise política e institucional. Em 2017, o governo de Nicolás Maduro (foto) abraçou o autoritarismo, prendendo e torturando opositores.
A situação deve piorar em 2018, quando haverá eleições e o sucessor de Hugo Chávez já confirmou sua candidatura.
Com a criação da Assembleia Constituinte, em 2017, o governo concentrou poderes e subiu alguns degraus rumo a uma ditadura. Quem tentou reagir, foi preso. Outros deixaram o país. Maduro, porém, tem grandes chances de vencer de novo. Como? Simples, recentemente anunciou que proibiria a candidatura de partidos que participaram do boicote às eleições municipais (no início de dezembro).
6 - OLHO NA CHINA
A consagração de Xi Jinping como o líder incontestável do Partido Comunista – no mesmo patamar de Mao Tsé-tung – abriu uma nova era na política chinesa. 2017 foi de transição. Xi acabou com a tradição comunista de lideranças coletivas. O sucesso econômico lança a China em direção à meta do governo de transformar o país em uma nação moderna até 2035. Em 2018, o partido continuará reforçando seu controle sobre a sociedade e a economia, projetando, ao mesmo tempo, poder para fora do país e oferecendo modelo para outras nações.
No Fórum Econômico de Davos, Xi apresentou a China como a nova líder da globalização e de uma ordem internacional “mais justa e racional”.
7 - SEPARATISMOS EUROPEUS
A desconstrução do ideal de unificação é o grande desafio da Europa. A crise separatista na Catalunha e a vitória do Brexit no Reino Unido surgiram como novas expressões dos nacionalismos que têm posto à prova a pertinência e solidez da União Europeia (UE). O desejo de independência da região espanhola arrefeceu, por enquanto. Mas outras áreas reivindicam autonomia ou mesmo a independência – caso de Córsega e Escócia.
O nacionalismo cultural e étnico é legitimado por motivos econômicos, sobretudo ao evocar o repúdio à solidariedade fiscal com regiões mais pobres. A UE quer evitar a todo custo a multiplicação de Estados e faz o possível para desestimular essas aspirações.
8 - A FORÇA DA EXTREMA-DIREITA
Desde 2000, a extrema-direita já vinha ganhando terreno na Europa, mas em 2017 várias eleições confirmaram a tendência na França, na Alemanha, na Áustria e na Holanda. Partidos populistas, eurocéticos e anti-imigração tiveram resultados históricos.
O Partido da Liberdade (PVV) se tornou, em março, a segunda força do parlamento holandês, atrás dos liberais. Na França, a presidente da Frente Nacional, Marine Le Pen, chegou ao segundo turno das eleições presidenciais em maio, mas foi barrada pelo fenômeno Emmanuel Macron. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha (AfD) obteve sucesso sem precedentes ao entrar na Câmara Baixa do parlamento, com 12,6% dos votos. Quatro anos antes havia obtido apenas 4,7%. Na Áustria, o FPÖ, decano dos partidos de extrema-direita, governará em coalizão com os conservadores.
Em 2018, Itália, Suíça, Hungria e Suécia realizam eleições para renovar o parlamento.
9 - INDEFINIÇÕES NO ORIENTE MÉDIO
O impacto da decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel ainda é mais simbólico do que prático. No rastro, a Guatemala seguiu o caminho americano e anunciou que irá transferir sua embaixada para a cidade. Israel espera que outros 10 países sigam o exemplo, o que deve aumentar a tensão com os palestinos em 2018.
Os Territórios Palestinos realizarão no novo ano sua terceira eleição. Dessa vez, mais unificados. O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, promete transição de poder pacífica e democrática. Embora Abbas esteja no poder há 12 anos, desde 2008 ele não tem o cargo reconhecido pelo Hamas. Em 2017, o grupo radical deixou o controle da Faixa de Gaza e assinou um acordo, junto com a Fatah, transferindo o poder na região para a ANP.
10 - O FIM DO ESTADO ISLÂMICO?
2017 foi marcado pelo colapso do falso califado do Estado Islâmico (EI). Três anos após o avanço e a conquista de território do tamanho da Itália, o grupo extremista foi derrotado no Iraque e está encurralado na Síria. Os terroristas perderam suas “capitais” Mossul, no Iraque, e Raqa, na Síria.
Em dezembro, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, anunciou “o fim da guerra” contra o EI, afirmando que, pela primeira vez em quatro anos, a organização já não controla nenhum território significativo no país.
O regime sírio deve fazer anúncio semelhante em 2018. O terrorismo, por certo, não acabará. Mas o modus operandi mudou. São operações isoladas na Europa, mais fragmentadas e com uso de atropelamentos em massa. A guerra, agora, é outra.
11 - LAPSO DE PAZ, RISCO DE GUERRA
O período entre 9 e 25 de fevereiro deve ser de distensão na crise na Península Coreana. É quando serão realizados os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, na cidade de Pyeongchang, na Coreia do Sul. A rival Coreia do Norte deve enviar ao país uma equipe de patinação.
Com exceção dessa pax esportiva, o risco de conflito segue vivo. Kim Jong-un (foto) vai continuar com seus testes nucleares e com mísseis (supostamente capazes de atingir o território continental dos EUA). As sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) têm
pouco efeito prático. Mesmo grandes potências aliadas do regime comunista, como China e Rússia, têm sido incapazes de obrigar a Coreia do Norte a renunciar a seus programas nuclear e balístico.
Os EUA identificam no país a principal ameaça à segurança nacional. É difícil saber se Trump, ao falar grosso, está rebatendo a Kim com bravatas ou se estaria, realmente, determinado a usar a força. A diplomacia americana também não registrou grandes sucessos. Trump tem uma retórica anti-norte-coreana forte, mas, por enquanto, sem ação eficaz.
12 - PUTIN, O TODO-PODEROSO
2018 não será só de Copa do Mundo na Rússia. O planeta estará de olho nas eleições presidenciais, marcadas para março. Vladimir Putin deve se consolidar como um dos homens mais poderosos do planeta – se vencer, irá para novo mandato de seis anos e governará até 2024.
A principal opositora é a socialite Ksenia Sobchak, para muitos uma escolha arquitetada pelo próprio governo para dividir a oposição. Também devem se lançar na corrida líderes das outras três correntes com representação parlamentar – comunistas, nacionalistas e social-democratas –, além do histórico líder liberal Grigory Yavlinsky.
Vive-se um clima de nova velha Guerra Fria – ou até pior, nas palavras do primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev. Há sanções diplomáticas mútuas entre Rússia e EUA, que dificultam o diálogo. As suspeitas de influência do Kremlin nas eleições americanas de 2016 ainda não estão esclarecidas. A retaliação já começou. Os russos andam dizendo que os americanos estão atuando para desestabilizar o pleito de 2018.
O Kremlin fixou 18 de março como data da eleição para assinalar os quatro anos da anexação unilateral da Crimeia, ação que lhe valeu a exclusão do G8.