Pense em uma eleição nacional, mas realizada em apenas um Estado. Grosso modo, é isso que aconteceu no Alabama, Estado americano que impôs a primeira grande derrota política do governo Donald Trump. A disputa para eleger o senador que ocupará a vaga do republicano Jeff Sessions, que deixou o mandato para assumir como procurador-geral do governo federal, incorporou todos os elementos de uma campanha presidencial.
Na verdade, pode-se dizer que foi um revival da batalha Trump x Hillary: golpes baixos, denúncias de crimes sexuais, fake news e participação ativa do atual presidente e do ex Barack Obama. Até o resultado do pleito, que, segundo projeções deu a vitória por 49,9% para o democrata Doug Jones, contra 48,4% do republicano Roy Moore, se assemelha aos números apertados da eleição presidencial de 2016.
Os republicanos perderam. Trump perdeu. E perder no Alabama, Estado conservador do sul dos EUA, é uma catástrofe simbólica. Em novembro do ano passado, ele ganhou de Hillary por 28 pontos de diferença ali.
O Alabama é importante para a base política republicana porque fica no chamado Bible Belt (cinturão bíblico), Estados onde o protestantismo é parte fundamental da cultura local. E os republicanos em geral, e Trump em particular, têm no grupo suporte importantíssimo.
Ex-juiz, Moore tentou pegar carona na vitória do presidente, no ano passado, e concentrou a campanha nas principais bandeiras de Trump: foi contra o aborto e a imigração, além de acusar a imprensa profissional de fabricar notícias falsas. O velho discurso trumpista de criar inimigos externos para angariar público interno.
Não deu certo. Até porque as denúncias contra seu nome eram fortes demais e se impunham como contradição moral. Apelidado de “A Rocha”, Moore foi acusado de ter mantido, em 1979, relações sexuais com uma garota de 14 anos – na época, ele tinha 32. O escândalo foi revelado pelo The Washington Post – está aí um motivo para ele taxar grandes jornais com o rótulo de fake news. Pela diferença de idade, sob a legislação do Alabama, trata-se de um caso de abuso sexual de segundo grau, punido com mais de 12 meses de prisão e que, com agravantes, pode levar a condenação de 10 anos.
Jones buscou uma campanha equilibrada, baseada em duas palavras pouco conhecidas dos aliados mais próximos do presidente: cortesia e decência. Essas palavras, aliás, foram usadas ao comemorar a vitória de terça-feira, em um tapa de luvas a Moore e, indiretamente, a Trump.
A conquista de Jones pode significar a ressureição do Partido Democrata que, mais de um ano depois da derrota presidencial, ainda não havia assimilado o baque. Mais do que esse rearranjo interno, o senador chega desequilibrando as forças no Capitólio, em Washington. Os republicanos ainda são maioria, com 51 parlamentares, mas a diferença não é tão grande.
Os democratas contarão com 49. O terceiro efeito da onda Jones é dar a largada para a eleição de meio de mandato, em novembro de 2018, quando será renovada toda a Câmara dos Representantes (Deputados) e um terço do Senado.