No mínimo, uma coincidência chata: o único colégio que demonstrou interesse em se tornar cívico-militar em Porto Alegre, aderindo ao projeto do governo Bolsonaro, carrega o nome da mãe do maior líder comunista brasileiro. Trata-se da Escola Municipal de Ensino Fundamental Leocádia Felizardo Prestes, que fica na Cohab Cavalhada, zona sul da Capital.
– É um acinte à memória da minha avó – protesta a filha de Luiz Carlos Prestes (1898-1990), Anita Leocádia Prestes, 84 anos, historiadora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Anita diz que a avó era "uma democrata profundamente antimilitarista" que jamais compactuaria com a proposta "desse governo genocida" de transformar as crianças, no Brasil, "em robôs que só cumprem ordens e batem continência".
Nos anos 1930, Anita nasceu em um campo de concentração na Alemanha: a mãe dela, Olga Benário (1908-1942), esposa de Prestes, havia sido entregue grávida ao regime nazista pelo governo Getúlio Vargas. Aos dois anos de idade, a menina foi libertada graças a uma campanha internacional liderada pela avó, Leocádia (1874-1943) – que dá nome à escola em Porto Alegre.
– Nunca imaginamos que o projeto cívico-militar fosse começar por um colégio que homenageia alguém com valores opostos – diz o vice-presidente da Associação Memorial Luiz Carlos Prestes, Edson Santos.
Procurado pela coluna, o prefeito Sebastião Melo reconhece ter ficado surpreso quando viu que, entre as 56 escolas de Ensino Fundamental consultadas, justamente essa havia manifestado interesse. Mas ele afirma que ninguém vai atentar contra a história de Leocádia, trocando o nome da escola ou coisa parecida.
– E o trabalho pedagógico vai seguir igual. A escola só passará a ter uma cogestão com militares, com mais hierarquia, mais disciplina. Algo que, aliás, está faltando muito ao país. Estudei em um colégio de pau a pique, em Goiás, em que a gente chegava, cantava o hino... Se desrespeitasse o professor, era punido duplamente, na escola e em casa – conta Melo.
A escola é da comunidade. Se a comunidade pediu que a escola seja cívico-militar, o que nós vamos fazer? Temos que respeitar.
NEUZA CANABARRO
Ex-secretária de Educação da Capital
O diretor da Escola Leocádia Felizardo Prestes, Aldemir do Nascimento, não quis comentar – disse apenas que as decisões são tomadas em conjunto com o conselho escolar. Sabe-se, no entanto, que aquela região sofre com a interferência do tráfico de drogas e que, por isso, a presença de militares seria bem-vinda.
Inaugurado em 1987, quando Alceu Collares era prefeito, o colégio recebeu o nome de Leocádia Prestes por sugestão da então secretária de Educação, a educadora Neuza Canabarro. Sobre a futura gestão cívico-militar do local, Neuza avalia:
– Quem governa é quem o povo escolheu para governar. Lá atrás, a gente fez a escola e botou o nome de uma mulher que merecia todas as homenagens. Mas a escola é da comunidade, não é propriedade nossa. E, se a comunidade pediu que a escola seja cívico-militar, que é como o atual governo sugere, o que nós vamos fazer? Temos que respeitar.