
Porto Alegre trata só metade do seu esgoto. É pouco, é indigno, é uma agressão diária à saúde pública, ao meio ambiente e à própria lógica de uma cidade que se pretende civilizada. Isso precisa mudar, e a prefeitura reconhece — o problema é que seriam necessários R$ 10 bilhões para o município atingir, até 2033, a meta estabelecida por lei: ter pelo menos 90% do esgoto coletado. Impossível para a realidade fiscal da cidade.
Dito isso, não parece descabido o projeto que o prefeito Sebastião Melo protocolou, semana passada, na Câmara de Vereadores: a proposta é conceder à iniciativa privada uma parte dos serviços prestados pelo Dmae — mais especificamente, o saneamento e a distribuição da água. Quem é contra merece respeito, claro, mas já perdeu essa briga. Melo levou sua intenção à campanha eleitoral, venceu com larga vantagem e, gostemos ou não, isso mostra que boa parte da sociedade assentiu com a ideia.
O que não significa, claro, que o debate se encerra aí. Se a concessão, além de justificável, se tornou quase inevitável, a questão que se impõe agora é outra: quais são, exatamente, as garantias de que o serviço vai melhorar? Ou, pelo menos, de que não vai piorar? De que as pessoas serão, por exemplo, atendidas ao telefone quando faltar água? Ou de que não precisaremos aguardar dias para consertarem um cano furado?
O caso da CEEE nos traumatizou. Mesmo com agência reguladora (algo que o Dmae até hoje não tem), muita gente que precisou da Equatorial acabou não só sem luz, mas sem a própria saúde mental. "São modelos diferentes", argumenta a prefeitura, lembrando que a CEEE foi privatizada, e não concedida — e isso retirou do Estado qualquer controle sobre a empresa.
Já o Dmae, por continuar ligado ao município, estará sujeito às fiscalizações e punições da prefeitura, o que, em tese, é um alívio. Mas convém lembrar que, não faz muito tempo, o mesmo Dmae enfrentou uma crise causada justamente por um contrato com empresa privada. Depois de um erro grosseiro de uma terceirizada, choveram contas de até R$ 100 mil durante meses — e a resposta da prefeitura foi lenta e desastrada.
Em resumo, não basta prometer que a concessão vai funcionar. O governo ainda precisa dizer, de maneira mais clara, o que ele fará quando não funcionar.