Quase duas décadas depois de lançada sua pedra fundamental, a primeira obra de Oscar Niemeyer em Porto Alegre agora tem data marcada para ser aberta ao público. O Memorial Luiz Carlos Prestes será inaugurado no dia 28 de outubro, dia do início da marcha que originou a Coluna Prestes, há 93 anos.
A edificação em homenagem ao político e líder comunista, que nasceu em 1898 em Porto Alegre e morreu em 1990 no Rio de Janeiro, foi erguida em área cedida pela prefeitura na Avenida Edvaldo Pereira Paiva, próximo ao Guaíba — a Câmara Municipal aprovou a doação logo após a morte de Prestes. Se em 1998 a pedra fundamental foi lançada, o acordo que possibilitou a construção demorou mais uma década para ser firmado. Em 2008, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) recebeu 50% do terreno para construir sua sede ali e se comprometeu a executar a obra do memorial — investiu cerca de R$ 12 milhões na obra.
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— Nos últimos anos, estamos trabalhando nos projetos complementares: o projeto paisagístico, de iluminação, de ar-condicionado e painel de imagens, que ficou pronto em agosto — explica Edson dos Santos, vice-presidente da Associação Memorial Luiz Carlos Prestes.
Amigo e fã de Prestes — Niemeyer chegou a abrigar o político em seu apartamento — o arquiteto apostou na leveza para a obra de aproximadamente 700 m² em Porto Alegre. Paulo Sergio Niemeyer, que criou o projeto com o bisavô, ressalta a "pureza e simplicidade ímpares" do prédio. Fechada com vidro, a edificação circular lembra uma nave flutuando, observa o arquiteto.
— A estrutura muito simples faz uma obra super complexa. A beleza não está no caro, no rebuscado — afirma.
Dentro do memorial, Niemeyer criou uma linha do tempo da vida de Prestes, contada nas curvas e retas de uma parede vermelha — cor inspirada no ideário comunista. Na parte em que se contextualiza os nove anos de prisão do político, o vermelho transforma-se em preto. A parede leva os visitantes a um pequeno auditório, com 25 lugares, onde devem ser exibidos vídeos sobre a vida de Prestes.
O acervo de 135 fotografias espalhadas pelo memorial foi cedido por Anita Leocádia Prestes, filha do político. A foto do líder buscando no Aeroporto Santos Dumont a primogênita, exilada no México durante o Estado Novo, é uma das exibidas. Tratava-se do primeiro encontro de Prestes com a menina, nascida em uma prisão da Alemanha nazista — sua mãe, Olga Benário, foi morta em câmara de gás. O memorial ainda ostenta registros de Prestes com personalidades como Pablo Neruda e Jorge Amado em um comício no Pacaembu, em 1945, e uma foto com Fidel Castro em Havana, em 1985.
Um segundo ambiente, amplo e também marcado pelas curvas vermelhas projetadas por Niemeyer, deve ser utilizado para exposições itinerantes que dialoguem com o tripé do memorial, que homenageia o líder patriota, revolucionário e comunista, segundo Edson.
— Serão recebidos eventos que falem, por exemplo, de lutas sociais, desigualdade, movimentos sindical, popular, de anistia, de solidariedade intenacional — contextualiza Edson. — Não é um espaço fechado para comunistas, mas não vamos fazer um palanque para provocadores.
A Associação Memorial Luiz Carlos Prestes ainda não definiu detalhes da programação da inauguração. Edson deseja promover outros outros eventos no espaço já antes da inauguração — um tipo de "esquenta" para difundir a data. Ainda não há confirmação das atividades.
Homenagem já foi alvo de protestos
O memorial erguido em homenagem a Luiz Carlos Prestes não é unanimidade. No começo do ano, o vereador Wambert Di Lorenzo (Pros) apresentou na Câmara Municipal um projeto propondo que o prédio projetado por Niemeyer passe a abrigar o Museu da História e da Cultura do Povo Negro. A proposta não avançou muito desde então — ainda aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça na Casa e não tem data para ir à votação em plenário.
Wambert argumenta que é "insustentável" homenagear um homem "desertor, traidor da pátria, que se aliou às forças da União Soviética". No seu projeto, defende que, na Coluna Prestes, ele saqueou e destruiu diversas propriedades, deixando um rastro de morte e destruição. Além disso, critica a deferência ao comunismo:
— É uma aberração. Como vou homenagear uma ideologia carniceira, que matou mais de 70 milhões de pessoas, que faz Hitler parecer uma bandeirante?
Escritor e ex-deputado liberal no Estado, Percival Puggina considera ser "uma pena que a cidade abrigue tão vistosa homenagem a esse mau cidadão, fiel a Moscou e infiel a sua pátria". Para ele, doação do terreno pela prefeitura foi um "disparate coletivo, infelizmente sacramentado pelos vereadores da época".
— A Câmara, nesse caso, errou o prego e acertou na ferradura. Terreno bom, em área nobre, verdadeiro latifúndio urbano, posteriormente parcialmente transacionado com a FGF em troca da construção e manutenção do memorial. Uma operação exótica, com um bem público — critica.
Edson dos Santos destaca que "tem absoluta tranquilidade" em dizer que o projeto de Wambert está equivocado e não deve prosperar:
— Em primeiro lugar, não tem dinheiro público aqui. Segundo, o prédio é concebido por Niemeyer para homenagear o Prestes, não tem como fazer homenagem a outra figura ou movimento. O conceito do memorial foi feito para isso.
Ele defende que o comunismo "libertou a humanidade do Fascismo e do Nazismo", ressaltando o papel da União Soviética na II Guerra Mundial. Sobre a Coluna Prestes, destacou que o movimento teve como objetivo "denunciar as condições de vida do povo e lutar pela democracia", acrescentando:
— Evidente que a Coluna pode ter em seu interior algum tipo de problema manifestado pelo soldado ou quem quer que seja. Mas nunca o Prestes consentiu qualquer tipo de arbitrariedade.