Ao encerrar as atividades na Rua Padre Chagas, como mostrou a reportagem de Rossana Ruschel na terça-feira (4), o Mulligan Irish Pub deixa um vazio enorme e dois legados ainda maiores. O vazio é literal, qualquer um pode ver: todos os bares e restaurantes da região desapareceram.
No trecho que inclui a primeira quadra da Padre Chagas e a Rua Fernando Gomes – que um dia foi apelidada de Calçada da Fama –, já fecharam as portas estabelecimentos como Dado Pub, Applebee's, Vilaró, Bar do Gomes, Paris 6, Banca 40, Constantino e, agora, o Mulligan.
A pandemia acelerou a debandada, claro, mas o fenômeno é anterior. Desde 2018, o público habitué do Moinhos de Vento vinha migrando para novas zonas boêmias da cidade. A Avenida Nova York, no bairro Auxiliadora, que também passou a oferecer mesinhas ao ar livre, se consolidou como queridinha dessa turma.
– Quando a Padre Chagas começou a receber aqueles eventos maiores de Saint Patrick's Day, que viraram festas de rua, a região foi descoberta por um público muito maior. Por um lado, isso até pode ter valorizado o bairro, mas, por outro, abalou a sensação de exclusividade que os frequentadores buscavam ali – analisa o publicitário Miltinho Talaveira, especialista em soluções criativas.
O curioso é que um dos legados do Mulligan é justamente o Saint Patrick's Day. Há 17 anos, quando o pub foi inaugurado, pouca gente na Capital conhecia a festa irlandesa, que virou uma espécie de marca registrada do bar – já que a temática do Mulligan sempre foi a Irlanda.
Padroeiro da terra de Oscar Wilde, São Patrício fez tanto sucesso em Porto Alegre que passou a receber homenagens em outros botecos – e, com o tempo, virou tema de festivais de cerveja capazes de reunir dezenas de milhares de pessoas. Em 2019, segundo o Consulado-Geral da Irlanda em São Paulo, a capital gaúcha promoveu a segunda maior celebração de Saint Patrick's Day do país, atrás apenas de Belo Horizonte.
Ou seja, embora possa ter contribuído para o declínio da Padre Chagas, a festa passou a movimentar a economia em diferentes regiões da cidade. Aliás, vale lembrar que o Mulligan, lá no início, também trouxe da Irlanda algo até então quase inexistente por aqui: as cervejas especiais – esse é o segundo legado do bar. Jovens acostumados a Skol e Polar passaram a experimentar porter, weiss, witbier, stout e pale ale.
Hoje, quase duas décadas depois, Porto Alegre é referência nacional na produção de cervejas artesanais. Não que o Mulligan tenha sido responsável pelo estouro das microcervejarias, nada disso, mas é inegável que ele ajudou a sofisticar o paladar do consumidor local.
O bar segue aberto em duas franquias, no Viva Open Mall e em Canoas. Mas, na Padre Chagas, onde tudo começou, chegou a hora de tudo começar de novo.