Escrevi em dezembro, aqui na coluna, que a orla do Guaíba corria o risco de virar uma nova João Alfredo: ou o poder público ampliava sua presença ali, ou os tumultos que começavam a se repetir aos domingos, sempre nas proximidades do Gasômetro, esmagariam os encantos do espaço mais deslumbrante da Capital.
Naquela época, o triplo homicídio na João Alfredo ainda nem tinha ocorrido – foi no mês seguinte, janeiro, que as três mortes em frente a um bar arrancaram do circuito boêmio de Porto Alegre a emblemática rua da Cidade Baixa. Quer dizer: a violência venceu. Meia dúzia de gatos pingados hoje frequentam a João Alfredo.
Agora, no domingo passado (29), um grupo de assassinos espancou um rapaz de 17 anos, na orla do Guaíba, a poucos metros do Gasômetro, e um deles enfiou uma garrafa quebrada no coração do garoto. Haderson Júnior Martins Floriano morreu na madrugada de segunda-feira (30), no HPS. Uma pergunta, claro, se impõe aqui: vamos perder a orla também?
Tanto a João Alfredo quanto a beira do Guaíba (esta, somente aos domingos, a partir do meio da tarde) davam sinais claros de que algo vinha mal. Em primeiro lugar, os dois locais se tornaram inóspitos quando o tal do "kit" passou a ser consumido livremente – trata-se de um combo de vodca, energético, gelo e copo plástico. Dezenas de ambulantes irregulares vendem a bebida, inclusive a menores de idade, durante horas e horas a fio.
E o poder público, faz o quê? Bem, a prefeitura já teve 175 fiscais para coibir a atuação de ambulantes irregulares. Hoje, sabe quantos são? Onze. Que precisam dar conta da cidade inteira, nos três turnos, sete dias por semana. O comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Luciano Moritz, avalia que o kit "pode funcionar como facilitador do descontrole".
– Mas não é competência da Brigada fazer essa fiscalização. Isso é da esfera municipal – sublinha o comandante.
Não dá para negar: a BM tem feito o que pode. Reforçou faz tempo o policiamento na orla, mas, quando há ocorrências longe dali, nem sempre o efetivo dá conta. Foi justamente o que ocorreu no domingo. Um evento na Cidade Baixa, com vias bloqueadas e centenas de pessoas na rua, motivou uma série de ligações para o 190 – e, para atender essas ocorrências, o cobertor ficou curto.
– Sem muita polícia, o pessoal começou a brigar aqui na volta. Fechei a lancheria mais cedo e saí correndo – conta a dona do Sheik Burger, Soraia Rosso Saloum.
O bar República dos Gatos, situado na Praça Júlio Mesquita, em frente ao Gasômetro também encerrou as atividades mais cedo: Waldo Dias, o proprietário, reconhece que "estava com medo". Todo esse cenário – que envolve uma sucessão de tumultos, pavor dos comerciantes, bebedeira a céu aberto e, por fim, morte de frequentadores – a gente já viu quando a João Alfredo caiu em desgraça.
De novo: vamos perder a orla também?