É duro reconhecer, mas o Escola sem Partido desta vez tem razão. Ao obter na Justiça uma liminar para suspender a regra do Enem que zerava, anulava, desclassificava qualquer redação que desrespeitasse os direitos humanos, o movimento levantou três questões fundamentais:
1. Pode alguém ser obrigado a dizer o que não pensa para entrar em uma universidade?
2. Como é possível que um Ministério da Educação prefira não saber como pensam os jovens de seu país? Não consigo pensar em dado mais relevante sobre a nossa educação do que a quantidade de pessoas que defendem a barbárie como solução para qualquer coisa.
3. Pode um concurso de texto avaliar uma opinião? Parece-me lógico que o Enem deveria avaliar a argumentação dessa opinião, o que é bem diferente.
Mas alguém dirá que um candidato, ao afrontar os princípios dos direitos humanos, jamais alcançará uma argumentação sólida. Porque seu texto será simplista, irrefletido, raso, passional. De fato, é bem provável que o candidato mereça um zero, mas esse zero precisa ser técnico, precisa ser indiscutível, precisa estar amparado em critérios, e não em censura prévia.
Digamos que o candidato mencione, por exemplo, o famoso cenário da bomba-relógio – existe uma farta discussão filosófica em torno dele. A situação é a seguinte: um terrorista capturado pela polícia sabe, mas não conta, onde está um artefato prestes a explodir. Se explodir, um grande número de inocentes vai morrer.
E agora? Para descobrir onde a bomba está, seria indefensável a polícia torturar esse homem?
Pode ser indefensável, tudo bem. Mas trata-se de um caso em que é possível, sim, defender a violação de direitos humanos com argumentos cabíveis, inclusive citando autores respeitados como Jeremy Bentham (1748-1832). Aliás, como bem lembrou Hélio Schwartsman, se a regra do Enem se mantivesse, Bentham tiraria nota zero.
O Escola sem Partido, que defende um denuncismo macarthista para acabar com "doutrinações ideológicas", fez o que deveria estar fazendo desde o início: venceu uma arbitrariedade recorrendo à Justiça.