Tem uma frase que as pessoas adoram repetir – é uma dessas frases de impacto que, como toda frase de impacto, têm menos conteúdo do que impacto. Mas a turma estufa o peito para dizê-la, pingando sempre uma exclamação no final:
– Direitos humanos para humanos direitos!
Uau. Não dá para negar a perspicácia de quem cunhou essa pérola. O cara inverteu a sintaxe toda, gerando um desconcertante efeito retórico: não mesmo!, é o que diz a frase, direitos humanos não devem valer para todos. Esse bordão surgiu no fim dos anos 1970, com a Copa da Argentina. Parte da Europa defendia o boicote ao Mundial, e as organizações internacionais de direitos humanos pressionavam o governo do general Videla.
Não era para menos: em sete anos de ditadura, 30 mil pessoas foram mortas na Argentina. Para se ter uma ideia, aqui no Brasil – onde a população era cinco vezes maior –, em 21 anos de regime militar, 500 pessoas desapareceram. Não que seja pouco, claro que não. Só que o general Videla tinha maneiras, digamos, mais práticas de se livrar dos adversários: bastava amarrar os braços deles atrás das costas, enfiá-los em aviões e lançá-los em alto-mar ainda vivos.
Pois foi a propaganda oficial de Videla, tentando recuperar a combalida imagem do governo, que lançou frases como esta:
– Derechos humanos para los humanos derechos.
Portanto, quando alguém repete essa bobagem, está fazendo o quê? Está defendendo a visão de Videla – ou, veja que coisa, defendendo um bandido. Um bandido que confessou milhares de mortes e que, em 2010, foi condenado à prisão perpétua. Mas tudo bem, vamos adiante: quem repete a tal frase costuma dizer o contrário, que são os defensores dos direitos humanos que defendem bandidos.
Pois este é um dos sofismas mais estapafúrdios que já inventaram.
E, para sustentar esse sofisma, homens tão "democráticos" como Videla criaram bodes expiatórios – gente para personificar essa suposta tolerância com os criminosos. Direi agora o nome de um desses bodes expiatórios, mas, só de mencionar seu nome, sei que leitores vão rilhar os dentes e espumar de ódio e me xingar de comunista, esquerdopata, bolivariano e toda essa baboseira maniqueísta que, sinceramente, não sei como vocês ainda aguentam, mas, paciência, aqui vai o nome da pessoa, atenção, um, dois, três e... Maria do Rosário.
Um nome maldito.
Agora, que já estou sendo amaldiçoado pelos cidadãos de bem, direi algo ainda pior do que o nome de Rosário, direi algo realmente forte, correrei até risco de vida, lá vou eu: de onde é que vocês tiraram essa idiotice de que Maria do Rosário defendeu algum bandido um dia na vida??? Por favor! Não tenho o menor interesse em defender Maria do Rosário, discordo de grande parte do que ela prega, mas me mostrem uma frase dessa mulher defendendo um estuprador, ou dizendo que um assassino é vítima da sociedade, que eu escreverei uma coluna inteira me retratando.
Aliás, foi Maria do Rosário, como relatora da CPI da Exploração Sexual, que aumentou a pena para estupradores e criou dispositivos mais rígidos contra os abusadores de crianças. Longe de mim fazer propaganda da deputada, mas os detratores dos direitos humanos fizeram com Rosário o mesmo que o partido dela, o PT, fez com Marina Silva na campanha de 2014: repetiram tantas vezes uma mentira, que ela virou verdade.
As únicas coisas que um defensor dos direitos humanos defende são o cumprimento da lei e o respeito às garantias individuais de todos – e todos são todos, sem exceção. Todos têm direito a um julgamento antes de serem considerados culpados. E os culpados, claro, não podem ser arremessados de um avião em alto-mar porque, afinal, não é o que manda a lei. Não se trata de tolerância com o crime. Trata-se de uma intolerância com abusos que, se começam a ser aceitos, um dia vão bater à minha porta, ou à do meu filho, ou à da minha mãe, ou à de qualquer inocente.
Qualquer crime é uma afronta aos direitos humanos. Um estuprador viola os direitos humanos de uma mulher – precisa ser duramente punido. Um assassino viola o direito à vida – precisa ser duramente punido. Mas quero uma sociedade em que as punições respeitem a lei, e não uma sociedade que joga os gladiadores em uma arena para decidir lá dentro quem morre ou vive. O que temos, por enquanto, é uma sociedade que aplaude a frase de efeito do maior genocida da América Latina.