Sei que já faz um mês que fizeram aquela votação propondo separar a Região Sul do restante do Brasil, portanto o assunto é velho, mas, como venho desde lá pensando sobre uma coisa e pesquisando com afinco sobre essa coisa, terei de voltar ao tema porque só agora tenho algo bom a dizer. Bom na minha avaliação, claro – vocês podem achar horrível e, paciência, esse é um risco que corro sempre.
Então, lá vai: os separatistas estavam certos.
Em parte.
Na parte principal, é verdade, estavam errados. Separar-se do país seria uma sandice, mas os motivos que levavam os separatistas a clamarem por isso eram legítimos – e muito justos, inclusive. Eles acertaram na constatação do problema, mas erraram na solução. Uma pena, porque a solução era tão estapafúrdia e caricata, que ninguém se dispôs a debater o problema.
Os simpatizantes do movimento questionavam o seguinte: como pode um Estado como o Rio Grande do Sul, dono do quarto maior PIB do país, não ter dinheiro sequer para pagar salários? É uma dúvida pertinente. Como pode o quarto Estado mais rico do país sair mendigando feito um pé-rapado, implorando migalhas ao governo federal sempre que deseja construir qualquer ponte ou estradinha?
Não tem cabimento, porque o Brasil é uma federação. E uma federação só precisa de uma coisa para existir: independência administrativa, financeira e decisória para os entes federados – que são os Estados e municípios. Só que 60% de todo o bolo tributário do país é engolido por Brasília, e cada vez mais os Estados e municípios têm seus orçamentos loteados por leis federais. Quer dizer, não tem lógica federativa alguma nisso: na prática, somos um império. Quem manda em tudo é o presidente.
Você pega os Estados Unidos, o Canadá ou a Alemanha, e lá estão os governos locais elegendo suas próprias prioridades e investindo no que bem entendem. Alguém dirá que, por favor!, não se pode simplesmente reproduzir o modelo de outro lugar sem levar em conta nossas particularidades, e eu direi que isso é verdade.
Até porque o Brasil já teve, também, seus tempos de plena autonomia dos Estados. Tinha inclusive uma Constituição inspirada na americana. E até a bandeira era parecida com a dos Estados Unidos. Aliás, o nome do país era Estados Unidos do Brasil – isso foi na República Velha (1889-1930), período em que o governo federal pouco interferia nos impostos estaduais. Deu problema.
Temos um problema bem definido, os separatistas o identificaram, e vale a pena lutar contra ele. Só que a solução é outra.
Esse modelo, descentralizado demais, só foi bom para São Paulo e Minas Gerais, que juntos concentravam mais de 70% da arrecadação do país. O resto do povo vivia na lama. Claro, não adianta querer ser igual a um país que arrecada 20 vezes mais do que nós – só a Califórnia já é mais rica que o Brasil inteiro.
Como aqui a desigualdade é muito maior, o governo federal precisa, de fato, de alguma liberdade para distribuir mais dinheiro para o Piauí ou para Roraima, onde o PIB é 40 vezes menor que o do Rio Grande do Sul. Só que hoje já se faz isso. O problema é que outra parte do dinheiro serve para outra coisa. Serve para emenda parlamentar. Serve para comprar apoio. Serve para o presidente ter poder.
Por exemplo: todos os candidatos à Presidência nos últimos tempos, quando vinham a Porto Alegre, prometiam construir a nova ponte do Guaíba. Ora, que diabos um presidente da República tem a ver com a ponte do Guaíba, meu Deus? Dá vontade de largar tudo, dá vontade de se separar do país.
Mas seria um erro.
O que empobrece o país não é a unidade territorial e política – que, aliás, é uma conquista –, é justamente a hipertrofia do poder central. A fragmentação de território, aqui na América do Sul, nunca inaugurou ilhas de prosperidade, pelo contrário: inaugurou Bolívia, Equador, Venezuela, Paraguai. Já na América do Norte, o que seriam dos Estados Unidos se as 13 colônias tivessem se dividido? Boa parte seria irrelevante.
Temos um problema bem definido, os separatistas o identificaram, e vale a pena lutar contra ele. Mas já passou da hora de debater a solução de verdade.