
Não há sentimento mais angustiante, opressivo e cruel do que a paixão. É horrível. O peito se espreme todo, a garganta fecha, o coração parece uma máquina de lavar roupa e todos os outros prazeres da vida não valem mais nada – vive-se apenas para aquela pessoa.
É como se a nossa personalidade entrasse em greve. Sair com os amigos não é mais importante, o futebol não é mais importante, até o trabalho e a família deixam de ser importantes. Só a pessoa vira importante. A paixão nos sonega a autonomia, o livre-arbítrio, o controle sobre a própria existência. Fabrício Carpinejar, meu amigo, deve concordar com isso.
Liguei para ele.
– A paixão é a maior solidão do homem – começou o Fabrício, e eu ergui a sobrancelha. – O coitado não pode partilhar o que sente com ninguém, porque ninguém vai entendê-lo. Ele não escuta amigos nem familiares, porque nenhum conselho será pertinente. Se disserem que é melhor reduzir a velocidade dos fatos, ele achará que as pessoas estão com inveja ou que não conhecem a felicidade.
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E como se evita isso? Como se foge de tanta cegueira, de tanta obsessão e insensatez? Talvez o Mário Corso, meu psicanalista favorito, saiba a resposta.
Liguei para ele.
– Algumas habilidades psíquicas, que vão chegando com a experiência de vida, ajudam a minimizar esses efeitos – disse o Mário, e eu pedi para ele explicar: – Com a sabedoria, aprende-se a idealizar menos o objeto amado. Mas geralmente essa prudência vem quando já temos uns 70 anos.
Que coisa triste. O Carpinejar costuma dizer que a paixão é tão doentia, que os doentes se telefonam só para compartilhar seus sintomas.
– Eu tô sentindo isso!
– Eu também sinto isso!
E só interessa isso: o que eles sentem. Os garçons querem expulsá-los, porque já são seis da manhã, mas eles não percebem; as cadeiras já estão sobre as mesas, mas eles não percebem; a rua é perigosa demais para namorar no carro, mas eles não percebem; familiares sentem saudade, mas eles não percebem; a vida tem outros encargos, mas eles não percebem. Meu Deus do céu, não é a coisa mais horrível do mundo?
– Não – disse o Mário Corso, e eu pensei ué. – A paixão nos faz sentir vivos. Apaixonar-se é um antidepressivo natural, existe uma razão para viver, uma euforia, um foco, um objetivo. Pior do que sentir essa coisa ruim é nem poder senti-la.
Será?
Bem, faz sentido, imagine a pobreza emocional de quem é incapaz de se apaixonar. Porque, de fato, o Mário está certo nisso: correspondido ou não, todo mundo sai de uma paixão maior do que entrou. A paixão nos faz mergulhar no universo do outro, percorrer caminhos que não conhecíamos e, portanto, aprender com o rastro que a pessoa deixou – nem que seja um rastro de devastação, mas é nesse rastro que a gente cresce.
– Eis o maior paradoxo dos relacionamentos: a paixão é o momento de ser louco, mas logo ali adiante, para virar amor, tudo o que a gente quer é o equilíbrio – sorriu o Carpinejar.
Não há muito o que fazer, pelo jeito. O melhor mesmo é viver por inteiro o pior sentimento do mundo, sempre com a certeza idiota de que nada pode ser melhor do que sentir-se assim.