Vamos ser francos, sem demagogia nem inocência. Esse Programa Escola sem Partido – de autoria do deputado Marcel van Hattem (PP), no âmbito estadual, e do vereador Valter Nagelstein (PMDB), no âmbito municipal – só existe por um motivo: para que professor nenhum manifeste opinião diferente da que os parlamentares defendem. Isso é incontestável.
Argumentam, os dois, que escolas e universidades foram tomadas por uma ideologia de esquerda e que, por isso, é fundamental "proibir a doutrinação política e ideológica" dos estudantes pelos professores. Quer dizer, não haveria preocupação alguma se os professores bradassem as vantagens do livre mercado e do Estado mínimo – conceitos pelos quais eu mesmo nutro simpatia, portanto não se trata de uma crítica com ranço esquerdista.
A questão é que o Escola sem Partido, embora se esconda atrás de um verniz ponderado, não pode ser mais partidário e, pior do que isso, autoritário. O programa chega a oferecer um canal de comunicação para receber denúncias anônimas contra professores que descumprirem a lei. Mas como definir o que é "doutrinação ideológica" sem limitar a profusão de conhecimentos e sem descambar para um denuncismo macartista?
Como já disse Contardo Calligaris, não gostaria que meus filhos fossem doutrinados no marxismo, mas me pareceria igualmente grave se eles não lessem nada sobre um pensamento que foi a grande paixão intelectual dos últimos dois séculos. Também acharia péssimo vê-los doutrinados pela Bíblia, mas o mesmo absurdo seria vê-los crescer sem conhecerem o livro de maior referência para a formação da cultura ocidental.
Sou contra qualquer tipo de doutrinação, e justamente por isso me agrada que os professores ofereçam conteúdos diferentes dos que os pais já transmitem e tentam impor às crianças. Senão, para que serve o colégio? O aluno ideal é aquele que contesta os pais com o que aprendeu na escola e contesta a escola com o que aprendeu com os pais.
Se alguns professores abusam da liberdade de opinar, não é criando uma legislação para cercear o livre fluxo do debate que se vai coibi-los. O que pode evitar esses excessos são a qualificação adequada dos professores, as avaliações de eficiência do quadro docente e o diálogo dos pais com a comunidade escolar.
Surpreende que um deputado que se diz liberal, como Marcel van Hattem, defenda uma lei tão paternalista. Van Hattem, aliás, é um entusiasta da redução da maioridade penal – costuma dizer que "lugar de bandido é na cadeia, independente da idade". Tudo bem, mas, se um adolescente pode ser maduro o suficiente para responder por um crime, por que não seria na hora de refletir sobre a opinião de outra pessoa?
Porque a ideia do projeto é outra: é impedir que um professor emita opiniões diferentes da ideologia dos defensores do Escola sem Partido. Você pode não querer que seu filho seja influenciado pelas ideias de um professor. Eu não quero que meu filho seja influenciado pelas ideias de Valter Nagelstein e Marcel van Hattem.