Brumadinho. O nome não poderia ser mais emblemático para desvelar a sordidez, a cobiça, a ganância desmedida, a incúria, o criminoso descaso com a vida humana, o compadrio político, a demagogia, a negligência das autoridades, a impunidade e tantos outros rejeitos morais que escoaram com a lama assassina da barragem da Vale. O município mineiro ganhou esse nome por localizar-se nas proximidades da antiga vila de Brumado Velho, assim denominada pelos bandeirantes por causa das brumas que costumam encobrir aquela região montanhosa em certas épocas do ano.
As brumas de Brumadinho são as brumas do Brasil.
Mas, ao se dissipar, esse nevoeiro simbólico também revela – e isso igualmente está sendo mostrado ao mundo no rastro da tragédia repetida – a crescente indignação de um povo cansado de ser ludibriado pelos poderosos da economia e da política, a incomensurável corrente de solidariedade de uma população sempre pronta para reagir às adversidades, a coragem sem fim dos profissionais e voluntários que trabalham dia e noite para atenuar o sofrimento alheio. Milhões de brasileiros, tocados pela catástrofe, estão se mobilizando para fazer doações, para postar mensagens de apoio às vítimas e seus familiares, para pedir punição aos responsáveis ou simplesmente para orar por quem precisa de oração.
Há, sim, um Brasil digno semiencoberto pelas névoas do egoísmo e pela lama da corrupção.
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Nesse Brasil menos visível, tem gente que trabalha duro e honradamente para sustentar a família e cumprir seus compromissos, tem gente que estuda obstinadamente para alcançar um futuro melhor, tem gente que faz caridade, protege crianças e idosos, cuida dos animais, pratica a generosidade e respeita o próximo. Tem gente que se diverte saudavelmente, que canta e dança, que pratica esportes e curte a natureza.
Tem gente que planta e colhe para outros comerem, tem gente que educa e ensina os filhos de desconhecidos, tem gente que dá exemplo sem ostentar superioridade, tem gente que dedica seu tempo e seu conhecimento à construção de uma sociedade mais justa sem nada esperar em troca.
Basta soprar a neblina da primeira impressão para se constatar que tem muita gente boa e honesta nesse país de contrastes.
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Tem gente com disposição e criatividade até para enfrentar as brumas do esquecimento.
Parece coisa de cinema, mas é real. Todas as tardes, o músico Lúcio Yanel empunha seu violão e canta serenatas para a esposa que sofre da doença de Alzheimer em estado avançado. Ela já não fala, nem se alimenta sozinha e chora o tempo todo, acalmando-se apenas quando o marido entoa canções que acompanharam os 25 anos de convivência do casal.
Segundo reportagem da BBC News Brasil, essa história cinematográfica (que lembra o filme Como Se Fosse a Primeira Vez) desenrola-se diariamente em Caxias do Sul, onde vivem os personagens referidos.
Sob as brumas do cotidiano, há um Brasil lindo, emocionante e humano.