A brincadeira é tão irresistível que em poucos dias sobrecarregou as redes sociais. Os usuários são desafiados a ressuscitar a própria imagem de 10 anos atrás e publicá-la ao lado de uma foto atual. Não chega a ser uma grande novidade: o contraponto “eu era assim, fiquei assim” vem sendo empregado há décadas na publicidade, especialmente em anúncios de produtos e métodos para emagrecer. Mas a disseminação do smartphone, esse canivete suíço da era digital, facilitou a exposição comparativa. As pessoas fotografam e fotografam-se o tempo todo. E também não é de hoje: outro dia li uma reportagem sobre um pai britânico que fotografou o filho todos os dias, do nascimento até que ele completasse 21 anos.
Pois bem, o tal “Desafio dos 10 anos” tornou-se logo viral e também imediatamente acordou o vírus da suspeita. Especialistas vieram a público para alertar que a brincadeira pode não ser tão inofensiva quanto parece, pois facilitaria o trabalho dos algoritmos na construção de um esquema de reconhecimento facial. E empresas diversas poderiam utilizar as imagens dos internautas que toparam o desafio das marcas de expressão para encaminhar-lhes propaganda direcionada.
Tudo é possível nesse admirável mundo novo da alienação tecnológica, mas esse caso do desafio me parece apenas mais uma teoria da conspiração. A verdade é que a internet já suga nossos dados, nossos desejos e nossa curiosidade o tempo todo, sem esperar que publiquemos voluntariamente autorretratos. Outro dia fui conferir uma notícia antiga sobre o assalto ao presidente Jair Bolsonaro quando ele ainda era deputado e fazia campanha no Rio de Janeiro – e logo passei a receber ofertas de pistola Glock 380, o modelo que ele entregou aos criminosos. Os algoritmos certamente pensaram que eu tenho o preparo militar do capitão-presidente e que sou um potencial comprador das quatro armas a que cada cidadão passou a ter direito de guardar em casa. O bombardeio publicitário só mudou de rumo quando fiz outra consulta ao buscador, desta vez sobre cartuchos, mas de tinta para a minha impressora.
Se os duendes mercantilistas da web equivocam-se quanto ao meu gosto, por que acertariam na interpretação do meu rosto? Pensando bem, talvez seja mais fácil. Minha foto de 10 anos atrás, assim como a de hoje, certamente suscitaria a cobiça dos vendedores de cremes para rugas, barbeadores, perucas, óculos e outros produtos recomendados para as fadigas do tempo. Mas não vão me pegar nessa. Incluam-me fora do tal desafio. Prefiro continuar lidando com as letrinhas e com esses malditos cartuchos de tinta que aparecem em todos os cantos da tela.