A frase de efeito mais emblemática que conheço sobre o eterno conflito entre direita e esquerda foi cunhada pelo francês Georges Clemenceau: “Um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja um socialista aos 40 não tem cabeça”. Há variações, mas a ideia é mais ou menos esta, numa visão – digamos – progressista: solidariedade na juventude, egoísmo na maturidade. Ou, vista pela ótica conservadora, talvez assim: inconsequência na juventude, responsabilidade na maturidade. Fiquemos por aí, para que o debate não derive em suspeitas e acusações próprias destes tempos bipolares.
Pois quando eu tinha vinte e poucos anos, submeti-me, voluntariamente, a uma verdadeira maratona cinematográfica para ver o filme 1900 (Novecento), do diretor italiano Bernardo Bertolucci, que morreu na última segunda-feira. Era tão longo que foi dividido em duas sessões, cada uma com quatro horas de duração. Saí de uma, paguei ingresso novamente, e entrei na outra. Fiquei oito horas dentro do cinema, acompanhando a luta de classes protagonizada por dois amigos de infância que derivaram para campos opostos de vida – e em torno deles o conflito político violento entre comunismo e fascismo.
Para quem acredita em doutrinação instantânea, posso garantir que o filme não me transformou em socialista de carteirinha e muito menos em comunista, mas certamente me deixou mais alerta contra os riscos do autoritarismo e da intolerância. Nem os 40 nem todos os anos que vieram depois me fizeram mudar de ideia em relação a isso. Mas em algo devo ter amadurecido: já não tenho cabeça nem coração (e muito menos fôlego) para ficar oito horas dentro de um cinema, por mais genial que possa ser o diretor.
Embora polêmico e maniqueísta, 1900 foi um filme marcante na minha juventude, pela bela fotografia, pelo realismo das cenas e pelo relato histórico das guerras e dos movimentos sociais da época representada. Fiquei verdadeiramente impactado. Mesmo sem ter entendido bem a história, até porque não tinha lastro cultural para compreendê-la na sua totalidade, durante muito tempo citei-o como o melhor filme que já tinha visto. Agora tenho certeza apenas de que foi o mais longo. Bertolucci produziu outros mais curtos e mais celebrados, como o superpremiado O Último Imperador, que levou nada menos do que nove Oscar. Conta a saga do menino que nasceu nobre, virou criminoso de guerra, prisioneiro, jardineiro, bibliotecário e escritor, tendo como pano de fundo o conflito que continua em cartaz nos cinemas e na vida: liberdade x arbítrio.