O novo presidente prometeu no seu discurso de posse livrar o país do “politicamente correto”, expressão que suscita diferentes interpretações, especialmente em tempos de metáforas mal aplicadas.
A mais conhecida refere-se à escolha de palavras que não ofendam grupos minoritários e oprimidos, como mulheres, negros, gays e deficientes. A mais recente, cultuada por políticos e governantes criticados pelos grupos referidos, é a de que se trata de um patrulhamento exagerado, quase uma ideologia de causas estranhas à normalidade.
O contraste entre essas interpretações evidenciou-se na prática pela ação de duas mulheres recém-empoderadas, para usarmos um termo politicamente controverso: a primeira-dama Michelle Bolsonaro, com um sensível discurso na língua brasileira de sinais (Libras), e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, quando anunciou uma nova era para o país em que “menino veste azul e menina veste rosa”.
A mímica, que é a arte de expressar pensamentos e sentimentos por meio de gestos, foi bem compreendida, até mesmo porque a mensagem decodificada tinha um conteúdo social digno de reconhecimento – a preocupação com a comunicação de surdos e pessoas com deficiência. Era, digamos, politicamente correta no sentido mais tradicional. Já a metáfora, que é uma figura de linguagem caracterizada pela transferência de significado de uma expressão para outra, ou pelo uso do simbólico no lugar do explícito, gerou uma polêmica nacional, com muitas críticas e ironias, sendo a principal delas a divulgação de imagens de casais vestidos com cores inversas à da sugestão da ministra.
Viva a democracia, inclusive a das cores. Mesmo quem estava com pedras nas mãos para atingir o governo (atenção, isso é uma metáfora), teve que engolir (outra metáfora) a emocionante mensagem da primeira dama. Claro que a tradução simultânea foi essencial para a compreensão do grande público que não entende Libras. Sem som, o gestual da oradora talvez soasse patético. Já a metáfora contra outra metáfora, que é a chamada ideologia de gênero, acabou sendo um verdadeiro gol contra (metáfora, outra vez). Assim como lugar de mulher deve ser onde ela quiser, inclusive num ministério, meninos e meninas devem ser livres para vestir as cores de sua preferência ou do agrado de seus pais. Problema mesmo são os meninos e meninas que não têm o que vestir – e, em alguns casos, nem o que comer. Esses, sim, são desafios politicamente corretos para a ministra de Direitos Humanos.