Dois dias antes do primeiro turno da próxima eleição presidencial, o país celebrará o 30º aniversário da atual Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988. A coincidência cronológica adquire simbolismo relevante neste momento de desencanto dos brasileiros com a política e os políticos. Se considerarmos que a nossa Carta Magna já nos garantiu três décadas de normalidade democrática e paz social, mesmo com dois impeachments e outras turbulências institucionais, temos motivos suficientes para crer que a troca de guarda no Palácio do Planalto não será nenhum Apocalipse, vença quem vencer.
Não vamos eleger um imperador ou um ditador, ainda que certos candidatos e alguns de seus seguidores, à esquerda e à direita, flertem de vez em quando com o autoritarismo. Vamos eleger um presidente sujeito ao controle dos demais poderes e às normas constitucionais. Cabe-nos, como beneficiários desse regramento dos nossos direitos e deveres, fiscalizar e exigir que os governantes sigam rigorosamente o que está escrito, como ensinou o ex-presidente Eurico Gaspar Dutra. Sempre que era demandado a tomar uma decisão
difícil, ele se perguntava:
– O que diz o livrinho?
Sei que a própria Constituição gera desconfianças, por suas imperfeições, pelas interpretações diversas e por já ter recebido cerca de uma centena de emendas. Também fico ansioso para alterá-la quando constato algum absurdo como esse das viagens forçadas dos presidentes da Câmara e do Senado cada vez que o presidente da República se ausenta do país em período eleitoral.
Nesta semana mesmo, tão logo Temer embarcou para participar da Assembleia da ONU, os senhores Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira se mandaram para a Argentina, a fim de evitar a inelegibilidade prevista pela legislação eleitoral. A origem do despropósito está no artigo 14 da Carta Maior: presidentes da República, governadores e prefeitos, mesmo que tenham exercido o cargo por um único dia, só podem concorrer a outros cargos se renunciarem seis meses antes da eleição. Daí essa corrida dos substitutos para além das fronteiras nacionais. Afora o gasto público, essas viagens inúteis institucionalizam a hipocrisia. Sei, há outras, talvez até maiores e mais graves do que essa. Mas seu efeito simbólico é devastador para a crença nos políticos e nas instituições.
Para quem menospreza a chamada Constituição Cidadã, vale lembrar que, entre outros avanços, ela assegura a independência e o protagonismo do Ministério Público para interferir na vida da nação, corrigir desmandos políticos e combater a corrupção, como vem fazendo. Não é perfeita, precisa ser melhorada permanentemente. Mas é a garantia de que o nosso voto, independentemente do candidato escolhido, reelegerá a liberdade e a democracia.
Melhor do que ela, só a fictícia Constituição de um só artigo proposta pelo escritor Capistrano de Abreu:
Artigo único – Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara.