Esta primavera precoce, que se antecipa luminosa e colorida ao final cronológico do inverno, nos sugere o milagre do recomeço como alternativa para nossos medos e crises. Assim como a natureza se renova, decorando árvores ressequidas e devolvendo sonoridade a pássaros emudecidos, também nós, brasileiros desencantados, podemos aproveitar a troca de estação do calendário político para virar a página do baixo-astral coletivo destes dias de fogo, facadas e frustrações. Recomeçar, disse outro dia uma professora de Guaíba entrevistada por este jornal, é o verbo mais importante da língua portuguesa.
Há outros igualmente significativos, mas esse, sem dúvida, carrega o simbolismo da persistência. O poeta Bráulio Bessa, que é talentoso à beça e se apresenta semanalmente no programa de Fátima Bernardes, conjugou numa linda poesia várias situações de recomeços para os tombos da vida. Pois a nossa pátria amada, idolatrada e subtraída também parece estar precisando, mais do que nunca, de recomeçar do zero – talvez de antes da chegada de Cabral, talvez até mesmo de antes dos primeiros habitantes desta terra que, segundo certo general, nos legaram a indolência precursora da malandragem.
E quem nos legou o preconceito? E a prepotência? E a corrupção? Não culpemos nossos antepassados, caro general! Somos os principais responsáveis por nossas mazelas, por praticá-las ou tolerá-las, por não saber combatê-las ou nem tentar. É mais do que hora, portanto, de recomeçar o Brasil, sem que seja necessário redescobri-lo ou refundá-lo como país. O Brasil que precisa ser recomeçado é o que mora dentro de cada brasileiro, a partir da revisão de ideias e comportamentos que continuam nos sentenciando ao atraso e à desesperança.
Creio que somos capazes dessa virada. Como recomenda a poesia com rapadura de Bessa, "Quando tudo for escuro e nada iluminar. Quando tudo for incerto e você só duvidar. É hora do recomeço. Recomece a acreditar". Acreditemos, pois, que aquele museu vai ressurgir das cinzas, que o país saberá escolher bem seus próximos governantes, que a crise econômica vai ser superada, que a violência vai diminuir, que o desemprego vai cair, que educação, saúde e segurança passarão do discurso à prática. Nada disso por mágica, mas, sim, pelo nosso esforço consciente.
Sonhos de uma noite de inverno disfarçado de primavera? Pode ser, mas não há mal algum em recomeçarmos a sonhar – outra sugestão do inspirado poema. Alguém já disse, com muita propriedade, que um sonho é a metade de uma realidade. A outra metade é que nos cabe construir, com trabalho, participação, cidadania e comprometimento com o país. Podemos ser protagonistas do nosso próprio destino. Não precisamos acreditar nos maus políticos, nas suas promessas irrealizáveis, nem mesmo nesta confusão de nomes e números da propaganda eleitoral.
Precisamos apenas acreditar na primavera e no nosso próprio potencial para recomeçar o Brasil.