Em Guaíba, a Escola Estadual Ruy Coelho Gonçalves, no bairro de mesmo nome, mudou a rotina desde julho deste ano, quando registrou o primeiro caso de suicídio. No retorno das férias de inverno, a psicóloga Dayane Costa, especialista no atendimento mental de crianças e adolescentes e que há quatro anos palestra nas escolas sobre adolescência, voluntariou-se para conversar com os estudantes a partir do sexto ano. Num dos bate-papos, Dayane abordou o tema depressão. Quando perguntou aos alunos o que eles entendiam sobre a doença, ouviu respostas surpreendentes.
— É uma doença muito séria, e a gente não pode julgar quem tem — respondeu uma jovem.
— É invisível, diferente de uma pereba (espinha) que vai aparecendo na tua cara e as pessoas vão notar. A depressão ninguém nota — comparou um aluno.
— Muitos mostram ao público uma aparência feliz, mas no fundo estão tristes — resumiu outra estudante.
— Às vezes, a gente quer conversar e as pessoas ficam falando que tudo é drama — desabafou um adolescente.
Nos corredores da escola, cartazes com frases e poesias motivacionais foram espalhados pelas supervisoras escolares Maristela Rosa de Souza Pires e Patrícia Gonçalves, junto com a vice-diretora do turno da manhã, Berenice de Souza. Os próprios alunos produziram as mensagens.
As três também organizaram um calendário de palestras até o final do ano e planejam mudar as cores das paredes do prédio com a ajuda dos próprios estudantes – numa ação coletiva de grafite. Pais e alunos estão sendo chamados para conversas com as supervisoras. Pela primeira vez, a instituição celebrará o Dia da Família, no próximo dia 29. O evento surgiu a partir da percepção dos professores de que era necessário comemorar com os responsáveis pelos alunos, independentemente de serem pais e mães biológicos.
Em sala de aula, a professora de português das turmas do Ensino Médio, Carmen de Vargas, observou a baixa autoestima de parte dos estudantes quando propôs à turma uma dissertação sobre o significado da palavra pai. Resistente à ideia, o grupo preferiu relatar em primeira pessoa os sentimentos relacionados à palavra. A tristeza pela ausência da figura paterna e a depressão, em alguns casos, ficaram expressas nas redações.
Numa longa conversa entre mestre e pupilos, anseios e dúvidas sobre a vida adulta foram confessados. Carmen teve a certeza de que os alunos apenas precisavam de uma oportunidade de serem ouvidos. As aulas de português, que já tinham textos motivadores – como a poesia Recomece, do poeta Bráulio Bessa –, ganharam mais um ingrediente: aula de vida, como a professora diz. A meta da professora é auxiliar os alunos a se tornarem mais autoconfiantes. Parece que as mensagens da docente estão sendo guardadas pela gurizada. Carmen emocionou-se ao encontrar na capa do caderno de um dos estudantes, escrita em letras garrafais, uma das frases ditas por ela em sala de aula: "O verbo mais importante da língua portuguesa é recomeçar".
Preste atenção
Sintomas de depressão
- Alteração de padrão de sono – dorme mais
- Alteração de padrão de apetite
- Alteração de humor: pode ter choro frequente ou apenas demonstrar a alteração em atitudes mais impulsivas (se era uma criança ou adolescente calmo e passa a demonstrar irritação com situações comuns da rotina)
- Sentimentos de desesperança, desamparo e desespero
- Desânimo
- Queda no rendimento escolar
- Pensamento negativo
- Diminuição de prazer
- Isolamento
- Tédio (não tem nada para fazer)
- Uso contínuo de roupas compridas em períodos de calor
- Uso de pulseiras para esconder os braços
Causas que podem desencadear a depressão
- Abuso de substâncias
- Abuso físico e sexual na infância
- Bullying
- Desemprego, perda recente do emprego ou endividamento dos pais
- Dificuldade de integração e socialização na escola
- Dificuldades em relação a identidade e orientação sexual
- Histórico familiar de transtorno psiquiátrico
- Problemas emocionais, familiares e sociais
- Rejeição familiar
- Situações de luto
- Situações de assédio moral
- Trabalho infantil
- Violência familiar
FONTES: psiquiatras Berenice Rheinheimer, Sara Sgobin e Christian Kieling, psicóloga Claudia Weyne Cruz e manual de bolso do Comitê de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio do RS
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