Em março de 2017, a estreia da série 13 Reasons Why no serviço de streaming Netflix pôs o Brasil inteiro a discutir a problema do suicídio entre adolescentes. Na obra de ficção, uma estudante tira a própria vida depois de vivenciar situações como bullying, violação da privacidade, assédio, incompreensão e estupro. Com cenas explícitas, a série alarmou pais, gerou discussões entre especialistas e levou jovens com quadros depressivos a buscar socorro nos serviços de ajuda.
Passado pouco mais de um ano, não se espera que a segunda temporada da série sobre suicídio na adolescência, recém disponibilizada, provoque a mesma comoção, mas o tema que ela aborda é cada vez mais urgente, dizem os profissionais da área de saúde mental. Embora não existam estatísticas disponíveis, eles têm notado um claro aumento na quantidade de adolescentes que chegam aos hospitais depois de uma tentativa de se matar.
Cada vez mais, insistem os especialistas, é importante romper os tabus e falar abertamente sobre suicídio com a gurizada.
Há cinco anos trabalhando em Arroio dos Ratos, o psiquiatra Rafael Moreno Ferro Araújo afirma que, além do aumento do número de casos, vem notando uma queda na idade dos pacientes atendidos no Hospital São José:
— A cada ano, a unidade vai ficando mais jovem. No início, costumávamos ter um adolescente internado por tentativa de suicídio. Hoje, frequentemente, temos três. Em geral são meninas dos 12 aos 17 anos, com bom rendimento escolar, que tentam o suicídio com medicações, o que deve servir de alerta para os país. Isso apavora a comunidade, onde todo mundo se conhece, porque suicídio era visto como coisa de gente mais velha.
O especialista nota que se destacam, como desencadeantes das tentativas, duas ordens de fatores. De um lado está o bullying, que segundo Rafael ainda é tratado de forma tímida nas escolas - não basta disponibilizar um psicólogo, alerta ele. De outro, surgem os problemas familiares: segredos, conflitos entre o pai e a mãe, negligência, abuso emocional.
— São pais que ofendem o filho, dizem que ele é burro, que não presta. Foca-se muito no abuso sexual, mas mostramos em estudos que há mais casos envolvendo abuso emocional. Especulamos que o problema tenha a ver com a forma como estamos criando nossos filhos. Eles estão desamparados. Passam pouco tempo com os pais. Não é só a qualidade do tempo que é importante, a quantidade também é — afirma Rafael.
Banco de dados deve ser criado
A coordenadora do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), Berenice Rheinheimer, quer montar um banco de dados com os casos, para que seja possível acompanhar as estatísticas. Embora não tenha essa informação, Berenice confirma a percepção de aumento nos atendimentos de adolescentes que tentaram se matar:
— O que não se sabe é se o aumento nos atendimentos ocorre porque há mais tentativas de suicídio ou se decorre de os pais estarem mais atentos, e os adolescentes, mais conscientes. Pessoalmente, acredito que estão aumentando as tentativas, mas não tenho um dado objetivo.
Berenice considera fundamental que escola e família prestem atenção em possíveis mudanças de comportamento do jovem, como queda no rendimento escolar ou ferimentos autoinfligidos. Em caso de doença mental, como depressão, deve-se buscar atendimento profissionalizado, o que funciona como prevenção. Não ter medo de falar do assunto tornou-se uma regra básica:
— Às vezes as pessoas acham que conversar sobre suicídio vai induzir o suicídio. Ficam fugindo do assunto. Mas é justamente o contrário. Falar ajuda.
O efeito positivo
Quando a primeira temporada de 13 Reasons Why estreou, no ano passado, vivia-se também a crise provocada pelo jogo Baleia Azul, que estimularia e facilitaria comportamentos suicidas. Houve grande mobilização da imprensa, das escolas e dos psiquiatras. No caso da série, o que preocupava eram as imagens que mostravam a protagonista a se matar — o que não é recomendável, porque pode fornecer inspiração a quem está fragilizado. Passado um ano, no entanto, profissionais como Berenice e Rafael entendem que a série pode ter tido um efeito benfazejo.
— Naquele momento, houve um exagero, só se falava nisso. Mas depois permaneceram coisas boas. As pessoas falaram no assunto e se mobilizaram. Foi positivo — diz Berenice.
Rafael reforça a crítica à cena que mostrava o suicídio, mas também ressalta esse lado bom:
— Esse assunto estava escondido. E a série fez todo mundo falar dele. E é importante falar.