Duas historinhas do meu repertório de lembranças me ajudam a entender a recente corrida aos postos de combustíveis.
O dono de uma rede varejista do Estado conta em suas palestras que havia um produto encalhado nas prateleiras de sua loja. Então, ele pediu aos funcionários que empilhassem a mercadoria no meio do corredor, em local bem visível, com o seguinte aviso: "Só duas unidades por cliente". Foi o que bastou para despertar a curiosidade e o interesse do público. Em pouco tempo, relata o executivo, todo o estoque foi vendido.
O imortal escritor Moacyr Scliar, meu saudoso amigo e colega destas páginas, contava o caso do médico de hospital público que tinha aversão a pobres. Quando o paciente entrava no consultório, ele colocava a mão na própria testa, encobrindo os olhos, perguntava o que o doente sentia e já ia redigindo a receita. Logo, espalhou-se a notícia de que o homem era médium e passaram a se formar filas de indigentes na sua porta.
Somos extremamente influenciáveis e acreditamos naquilo em que queremos acreditar. E agora, mais do que nunca, estamos expostos a boatos com assinatura e em letra de fôrma. Quem nos avisa que vai faltar gasolina não é o distante Senhor WhatsApp, mas sim o nosso irmão, o nosso parente ou o nosso amigo que compartilhou a mensagem com a melhor das intenções. Como não confiar neles?
Claro que lá na origem do boato tem alguma coisa que não fecha, talvez algum mal-entendido, talvez até alguma má intenção, mas quem, nestes tempos de pressa e ansiedade, vai parar para conferir a veracidade da informação? Melhor mesmo é se prevenir. Se a loja está limitando o produto, é porque pode faltar. Se o médico prescreve receitas sem olhar para o paciente, deve ter poderes sobrenaturais.
O boato é a verdade das nossas crenças.
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No caso da falta de gasolina, havia um motivo para a crendice cega, pois o país passou por um episódio recente de desabastecimento. Mas esta é uma realidade com a qual teremos que nos habituar: com a proliferação das mídias sociais, todo dia é dia de boataria. Cai de tudo na rede: lendas urbanas criadas para disseminar o terror, fofocas políticas elaboradas para desconstruir adversários, histórias falsas sobre os mais variados assuntos, muitas delas fundamentadas em fatos reais, mas deformadas pelo efeito telefone sem fio.
Se temos um receptor de boatos nas mãos, é inevitável que eles cheguem a nós. Porém, como ensinou Sartre, não importa o que fazem conosco; o que importa é o que vamos fazer com aquilo que nos fazem. Quando recebemos uma mensagem sobre a possível falta de combustível, podemos sair correndo para o posto mais próximo ou simplesmente buscar informações em fontes confiáveis.
Para mim, o componente mais preocupante dessa era da comunicação instantânea é a questão da profecia autorrealizável. Se todos os motoristas correrem para abastecer, vai mesmo faltar combustível. Se muita gente acreditar que um banco vai quebrar, ele quebra mesmo. Como diz o Renato quando querem comparar Jael a Romário:
– Menos, gente!