Não sei se a tia Lena, tia de um amigo querido, já passou dessa para melhor ou simplesmente resolveu se desfazer de sua biblioteca, como vêm fazendo outras pessoas nestes tempos de poucas leituras. O fato é que encontrei outro dia, no Mensageiro da Caridade, um livro autografado para ela. O autor, cujo nome prefiro não declinar nesta crônica, escreveu carinhosamente na página de rosto: “Tia Lena, um beijão pra senhora. E tudo de bom”. Pois a publicação, que deveria ter-se tornado pessoal e intransferível depois de autografada, foi parar numa pilha de livros descartados, entre panelas e móveis usados. Melancólico destino para o pequeno texto manuscrito com tanto afeto pelo escritor. Comprei-o, mais por constrangimento alheio do que propriamente por interesse no seu conteúdo.
Tenho, na minha modesta biblioteca residencial, uma estante destinada a livros autografados. Evito até mesmo emprestá-los, pois temo que se extraviem e caiam nas mãos da pessoa que me dedicou a obra com sua assinatura. Alguns desses livros são de autores que sequer conheço, mas que tiveram a gentileza de me presentear, talvez supondo que eu pudesse ser um leitor influente. Outros são de escritores que admiro, como o imortal Moacyr Scliar, que mais de uma vez mexeu com a minha vaidade chamando-me de “copiloto” de seus escritos, apenas porque me passava algumas de suas crônicas para a primeira leitura e acatava uma ou outra de minhas pretensiosas observações.
Autógrafos de artistas e jogadores de futebol têm sido gradativamente substituídos por selfies, que exigem da celebridade apenas o sorriso forçado. Mas escritores ainda não se livraram da ingrata tarefa de pensar rapidamente em alguma mensagem original para o comprador de seu livro, muitas vezes precedida por enorme esforço mental para lembrar o nome do sujeito que o cumprimenta efusivamente. É difícil encontrar um escrevinhador que nunca tenha passado por esse terror.
Mas há, também, autores que se empenham e até se divertem na formulação das dedicatórias. Lembro, como exemplo, esta historinha contada por Mário Quintana:
- Uma menininha me perguntou: “O senhor pode me botar uma dedicação neste livro?”. Escrevi, então, “Para Helena Maria, com toda a minha dedicação”.
Genial, não? Espero que essa Helena Maria não seja a mesma tia Lena do meu amigo. Porém, se o livro com a original dedicatória aparecer extraviado em algum balaio da Feira de Porto Alegre que começa hoje, sou o primeiro da fila.