Em tempo de guerra, a mentira é como terra. Em tempo de eleição, quase tudo é ficção. A própria democracia passa a ser relativizada, como, aliás, já o fez Millôr Fernandes em sua bem-humorada definição: "Democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim". Pois bem, este complicado momento da vida nacional, em que a mentira passou a ser utilizada abertamente como arma de persuasão e até mesmo de atemorização, me faz lembrar o belo ensaio do escritor Mario Vargas Llosa cujo título tomo emprestado para esta crônica.
Numa crítica literária em que analisa 36 romances célebres do século 20, o peruano diz que as pessoas aceitam ser iludidas pela fantasia para compensar a brevidade (e, às vezes, o tédio) de suas vidas reais. A ficção existe – ele garante – para que os seres humanos tenham as vidas que não se resignam a não ter. Por isso, no seu entendimento, a primeira obrigação de um romance não é instruir, mas enfeitiçar o leitor. Nesse contexto, a missão do escritor é refazer a realidade, transformando-a.
Já a vida real, especialmente em períodos eleitorais, exige mais discernimento. O leitor de romances sabe que será enganado, ao contrário das vítimas da torrente de notícias falsas despejadas pelas redes sociais ou edulcoradas pela propaganda política, com o visível propósito de desconstruir ou enaltecer pretendentes ao poder. Ainda assim, podemos inferir que mesmo a mais descarada das mentiras contém alguma verdade, nem que seja a revelação implícita da índole e do caráter de quem a elaborou e divulgou.
Por isso, a exemplo do que fazem profissionais de jornalismo especializados na checagem de informações, cada cidadão precisa desenvolver um método próprio de avaliação, fundamentado no ceticismo, na busca do esclarecimento e na honestidade intelectual. Pior do que ser enganado é querer ser enganado.
Ouso dizer, parafraseando Millôr, que democracia é quando você desconfia.
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Sobre verdades e mentiras, se os atuais candidatos à Presidência voltarem atrás novamente na decisão de mexer na Constituição, gostaria que ambos considerassem a possibilidade de incluir em nossa Carta este artigo do Estatuto do Homem, escrito pelo poeta Thiago de Mello:
"Artigo 5º
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa".
Mas, por favor, mantenham o enunciado do nosso atual artigo 5º e façam um esforço para que ele deixe de ser apenas uma bela ficção:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".
E, quem sabe, também, à verdade verdadeira, livre de populismos, sectarismos e autoritarismos.