A coluna já relatou aqui o caso mais avançado de gestão de consequências de má prestação de serviço público no segmento da distribuição de energia: o processo que envolve a Amazonas Energia está bem avançado e deve ser definido até o final deste mês, com grande expectativa por desembocar na cassação da concessão.
Como a coluna também relatou, a decisão cabe ao Ministério de Minas e Energia e resultará de análise do estudo de um grupo de trabalho que avalia também as situações da Light, que atua no Rio de Janeiro, e da Enel, que opera em São Paulo, ambas com histórico ruim nessa área - mas nesse caso, a perspectiva não é de cassação.
Ainda assim, declarações do secretário nacional do consumidor, Wadih Damous, causaram surpresa porque ele afirma que pretende recomendar a cassação da concessão da Light e da Enel - a última detém até agora um recorde recente na demora do restabelecimento de energia, que está em risco diante do mau desempenho das operadoras no Rio Grande do Sul depois da mais recente grande tempestade.
No cenário de privatização quase total das concessionárias de distribuição - restam raríssimas empresas públicas nesse segmento -, a retirada da concessão precisa fazer parte da gestão de consequências da má prestação de serviço público. Caso contrário, não só o cidadão que precisa desse atendimento essencial fica à própria sorte, sem apoio de um sistema de regulação eficiente, como a própria essência da privatização perde o sentido.
No atual modelo, embora várias empresas atuem no segmento, a prestação desse tipo de serviço é um monopólio. O cliente não tem poder de escolha, nem com a expectativa sempre adiada de que pessoas físicas tenham acesso ao chamado "mercado livre", no qual é possível escolher as geradoras de energia. Mesmo que avance, para que a fonte escolhida chegue até o ponto de consumo é obrigatório passar pela rede da distribuidora.
Portanto, é um mercado em que a livre concorrência não existe. Nesse caso, o cliente mal atendido pela empresa A não pode simplesmente escolher a empresa B. Energia elétrica, dizem os especialistas, é um "monopólio natural" - conceito segundo o qual é mais barato atender o consumidor por um único prestador do serviço e não pela competição.
Esse conceito está baseado na premissa de que, se várias empresas instalassem fios na mesma área para levar energia até o ponto de consumo, a confusão seria grande e o preço do serviço poderia subir com a perda da economia de escala (custo total dividido pelo número de clientes). Se agora a barafunda de fios já é insuportável, por exemplo, haveria risco de problemas ainda maiores.
Então, se o consumidor não tem opção e o mau prestador de serviço não pode ser punido com a escolha de outro, é essencial que a cassação esteja no cardápio. Se um cidadão não obedece à lei, enfrentará consequências. Se um trabalhador não cumprir seu contrato, haverá repercussão. Se uma empresa que não tem "monopólio natural" não atender bem, vai perder mercado para outra.
Isso não significa que é preciso retirar o direito de operar a cada piscada de luz. Mas com um sistema de regulação que sequer consegue cobrar multas por má prestação de serviço - ou convertê-las em investimento no reforço no sistema, como já ocorreu no passado - é preciso ao menos ter a opção de remover da prestação de serviços essenciais quem não cumpre minimamente sua função.