O feriadão de pesadelo em São Paulo teve temporal que arrancou árvores saudáveis pela raiz na cidade e deixou 2,5 milhões de pessoas sem luz - boa parte por até 48 horas, com previsão de restabelecimento total somente na terça-feira (7). Até metade da manhã desta segunda-feira (6), ainda havia 465 mil clientes sem abastecimento há mais de 60 horas, conforme a própria concessionária.
Além de muitas queixas sobre a demora na religação de energia, como ocorreu no Estado com a CEEE Equatorial, o problema enfim fez a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) colocar no seu radar a necessidade de discutir o reforço do sistema diante da mudança climática.
Lá, como aqui, levantou-se o debate sobre privatização. Desde 2018, a italiana Enel é a responsável pela distribuição de energia na capital paulista e em mais 23 municípios da região metropolitana de São Paulo. Testada ao limite pela severidade da tempestade, a concessionária não provou que cinco anos de gestão privada do sistema elétrico tenham feito diferença no tempo de resposta, apensar de ter aumentado o volume de investimento em relação à gestão pública.
Diante dos estragos para os clientes, para o sistema e para a imagem da privatização do segmento de distribuição - restam poucas capitais atendidas por empresas públicas -, a Aneel convocou uma reunião para debater medidas capazes de fortalecer as redes e enfrentar o "novo anormal" das tempestades mais frequentes e severas. Tarde, mas melhor do que mais tarde ainda.
Um dos pontos do debate em São Paulo é idêntico ao que foi suscitado no Rio Grande do Sul, que teve privatização da distribuição de um terço da distribuição só em 2021: o corte de boa parte dos funcionários. Em São Paulo, o número de empregados da Enel caiu 36% desde 2019, um ano depois de a empresa italiana ter comprado a antiga Eletropaulo, em meados de 2018. Reduzir o quadro de pessoal foi uma das primeiras medidas tomadas pela Equatorial ao assumir a CEEE, entre outros motivos porque as atuais regras da Aneel "incentivam" o enxugamento.
Especialistas em energia sustentam que não há como prever eventos climáticos severos como o que afetou São Paulo no feriadão e como os que abalaram o Rio Grande do Sul há pouco. No entanto, o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) Carlos Bocuhy, adverte que eventos extremos precisam entrar no radar das empresas, e que a justificativa de não haver registro frequente na série histórica - base para o planejamento até agora - já não se sustenta, já que existe consenso sobre a ocorrência de eventos meteorológicos mais frequente e intensos.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, sinalizou o "apagão" paulista será um marco em busca de medidas de correção e prevenção a efeitos do clima extremo sobre redes de energia. Isso pode resultar em mudanças regulatórias, urbanísticas e de engenharia, para garantir o funcionamento da rede elétrica mesmo em tempestades. De novo, tarde, mas melhor do que mais tarde ainda. E melhor ainda se for rápido, porque a próxima tempestade já está em formação.