A constante demora em restabelecer o abastecimento de energia depois de eventos climáticos severos como o que marcou a última terça-feira (16) e até após tempestades mais "regulares" despertou em não poucos gaúchos uma certa "saudade da CEEE", sem o Equatorial depois do nome.
Era melhor antes da privatização? O que é possível dizer, com certa segurança, é que havia mais períodos de calmaria entre um temporal e outro. A combinação do El Niño com as mudanças climáticas transformou chuva em inundação e o vento que marca a história do Rio Grande do Sul - o romance histórico gaúcho essencial se chama O Tempo e o Vento - em quase furacão.
Mas por que, mesmo, a CEEE-D foi privatizada? Ao menos no caso da distribuidora, ou seja, a área da companhia que levava a energia elétrica até a porta das casas ou das empresas, não havia outra alternativa: era uma estatal quebrada em um Estado quebrado.
Como assim? Quando foi a leilão para ser comprada por simbólicos R$ 100 mil, a CEEE-D tinha patrimônio líquido negativo de R$ 4,8 bilhões - sim, com "b" de bola, o que significa oito vezes o prêmio da mais recente Mega da Virada. E o que é "patrimônio líquido negativo"? É a diferença entre tudo o que uma empresa deve (passivos) e tudo o que tem (ativos). Não só o que ganha a cada ano com sua operação, mas cada poste, cada subestação, cada imóvel, cada aplicação - enfim, tudo o que tem mesmo.
O valor pago pela Equatorial no leilão que nenhuma outra empresa quis disputar, por considerar muito arriscado, só remunerou um dos ativos da CEEE-D: a concessão para prestar serviço de distribuição de energia elétrica em parte da Região Metropolitana, no sul do Estado e no Litoral Norte. O resto era encrenca. Entre os passivos, havia uma dívida de R$ 4,4 bilhões só de ICMS, da qual o Estado acabou "perdoando" R$ 2,8 bilhões, alegando risco de que ninguém se interessasse pela compra.
E tudo isso ocorria em um Estado que atrasava salários de servidores, fornecedores e até pagamentos a hospitais por que não tinha dinheiro sequer para manter o custeio básico em dia. O pesado investimento necessário para tirar a CEEE-D da mira da perda da concessão, que já se arrastava pelo menos desde 2015, então, era totalmente inviável.
O risco era real porque a estatal descumpria tanto indicadores de qualidade - era e continua sendo a última do ranking da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - quanto os econômico-financeiros, que indicam capacidade de investir para buscar a melhora do serviço. Então, é preciso lembrar: a CEEE-D foi privatizada por que era uma empresa quebrada cujo controlador estava quebrado e não tinha capacidade de investimento.
Foi privatizada para que uma empresa com acesso a recursos pudesse executar um plano ambicioso de melhora dos indicadores de qualidade e econômico-financeiros. Os indicadores atuais, por incrível que pareça, até mostram certa melhora, mas ainda longe do ritmo necessário para que a CEEE Equatorial privada cumpra com folga os requisitos que a Aneel vai cobrar quando a hora chegar. Então, não serão CPIs, estadual ou municipal, que definirão o destino da distribuidora: será o empenho que sua atual controladora colocará no esforço para manter a concessão pela qual pagou módicos R$ 100 mil.