Enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o Banco Central (BC) se esforçavam para dar sinais de trégua, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçava a artilharia na batalha do juro.
Para efeito de registro jornalístico, o relato dos novos questionamentos de Lula no café da manhã com a mídia alternativa veio depois das bandeiras brancas agitadas dos dois lados do embate, embora no tempo tenha sido anterior ao movimento apaziguador.
Embora a circunstância temporal tire parte da gravidade das novas declarações presidenciais, não mudam sua essência: ao atacar de forma sistemática o presidente do BC, Roberto Campos Neto, dá tiro no próprio pé. E os motivos vão muito além do desconforto - ainda que relativo, a essa altura - no mercado financeiro.
Na quinta-feira (2), o dólar havia fechado a R$ 5,045, sugerindo que poderia quebrar a barreira psicológica de R$ 5, com o mercado de câmbio abastecido por investimento estrangeiro entrando na bolsa. Desde então, só subiu. Não muito: cerca de 2,5%. O inverso ocorreu com a bolsa, com intensidade até menor: desde a sexta-feira (3), acumula perdas de 2,1%. Nesta quarta-feira (8), antes que Lula fale, o dólar recua (-0,1%) e a bolsa reage (+0,9). Mas até por não estar entre as prioridades do presidente, essa não é a principal razão pela qual a blitz anti-BC sai pela culatra.
O maior impacto é interno: Lula mira Campos Neto, mas dispara em Haddad, que havia conquistado a façanha de ganhar, se não a credibilidade do meio financeiro, ao menos o benefício da dúvida até que apresente o novo marco fiscal. Um ministro da Fazenda enfraquecido é ruim em qualquer governo, mais ainda quando é um dos supostos candidatos à sucessão. Então, ainda que não fosse pela economia, mas pela política, Lula deveria zelar pela reputação de Haddad, mais ainda do que o próprio.
Além disso, embora seja verdade que um país não pode crescer com taxa de juro de 13,75% - como disse Lula - Selic não se dissolve com saliva. Mas pode se alimentar dela se brotar incerteza da irrigação verbal. Sem o questionamento do presidente sobre a autonomia do BC e a meta de inflação - esse é um debate legítimo, a coluna ainda vai abordar esse tema -, o Comitê de Política Monetária (Copom) não teria tido motivos para endurecer o tom do comunicado.
A alta de juro não é jabuticaba: ocorre no mundo inteiro. Não é fruto de "sabotagem" de um "infiltrado" - nas palavras do aliado Guilherme Boulos -, mas de um problema crônico do Brasil que os anos de governo do PT primeiro ajudaram a resolver, depois trataram de acentuar. No Brasil, começou antes - alimentada pela política equivocada de "juro baixo e dólar alto" do ex-ministro Paulo Guedes, que não conseguiu nem um, nem outro - e parece que vai terminar depois. Da primeira responsabilidade, Lula está livre. Da segunda, não.
Entre as impropriedades das declarações da terça-feira (8), está a "responsabilização" do Senado pela indicação de Campos Neto. Passou pela casa legislativa tanto a indicação do atual presidente quanto a de Henrique Meirelles no primeiro governo Lula quando a de Alexandre Tombini no governo Dilma. O presidente chegou a apelar ao empresariado para que critique o juro alto. Pode até ganhar adesões. Mas não contará com esse apoio se a intenção for forçar a renúncia do atual presidente.
Para completar, se o BC não fosse autônomo, teria elevado o juro a 13,75% em pleno ano eleitoral, contribuindo para azedar o clima econômico e complicar a reeleição do governo pelo qual Campos Neto foi indicado? Alguém precisa lembrar ao presidente que Campos Neto presidiu a reunião que levou a Selic para esse patamar no início de agosto de 2022, pouco mais de dois meses antes do pleito. Não por acaso, na época, circulava a informação de que o então presidente só havia permitido a aprovação da autonomia porque não havia entendido o mecanismo.