Economista-chefe da Órama (corretora do Bradesco) e professor do Ibmec-RJ, Alexandre Espírito Santo vê com otimismo o intenso fluxo de entrada de investimento estrangeiro no Brasil. Só em janeiro, a bolsa recebeu um volume o equivalente a R$ 11 bilhões vindo de fora, que foi capaz de superar os saques dos investidores institucionais nacionais. Para o economista, é sintoma de que o Brasil voltou a receber um tipo de recursos que até há pouco evitava o país. É claro, observa, que a taxa de juro real (Selic nominal, menos a inflação) elevadíssima - a maior do mundo - ajuda. Mas avalia que a volta do Brasil ao protagonismo ambiental ajudou. Aposta na manutenção desse fluxo no curto prazo e relativiza o peso das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que fazem o mercado "torcer o nariz". Mas adverte: tudo depende da solidez e da credibilidade do marco fiscal que deve ser apresentado em abril.
Essa entrada de investimento estrangeiro é notável?
Tenho 35 anos de mercado e já vi muita coisa acontecer. Quando o investidor está querendo botar dinheiro, os ruídos ficam meio na lateral.
É muito fora do padrão?
Em todo o ano passado, entraram R$ 100 bilhões. Agora, só em janeiro, entraram R$ 11 bilhões. É um valor muito expressivo. E deve continuar.
Por que?
O Brasil tinha, no governo passado, perdido protagonismo na área ambiental. Hoje, o ESG (governança corporativa, social e ambiental) é muito importante lá fora. O Brasil perdeu esse protagonismo e agora está retomando. Teve a importante presença da Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente) em Davos. Vieram os alemães (o primeiro-ministro Olaf Scholz), anunciaram dinheiro em fundo ambiental. Tem elementos aos quais não se pode ficar indiferente. O Brasil virou o queridinho dos emergentes. Esse já é um vetor de entrada. Ao mesmo tempo, o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) começa a desacelerar a subida na taxa de juro. Já fez uma alta menor, deve ter mais uma de 0,25 ponto percentual, talvez outra e deu. Aqui, o Banco Central sinalizou que o juro vai ficar alto por algum tempo. Com isso, aplicar dinheiro no Brasil é muito vantajoso. É o que chamamos carry trade (quando investidores se financiam tomando dinheiro emprestado a juros mais baixos em determinados países para aplicar onde as taxas são mais altas). Todos os fatores, nesse momento, apontam para mais entrada de dólar. É o que vamos ver nos próximos meses.
Não gosta do teto, quer tirar? Beleza. Mas precisa colocar no lugar algo que seja crível e realmente atue para estabilizar a relação dívida/PIB.
É possível projetar manutenção de fluxo de entrada de dólares?
No curto prazo, sim. O que pode interromper, no curto prazo, é alguma incerteza lá de fora, como questões geopolíticas. Não podemos esquecer que já uma guerra no radar, que já era para ter acabado, e nada. Sempre há o imponderável. Mas até onde a vista alcança, tem entrada de dólar. Em abril, como prometeu o ministro (Fernando) Haddad (da Fazenda), teremos uma nova regra fiscal. A partir daí, as pessoas vão começar a se perguntar se vale a pena ou não. Não gosta do teto, quer tirar? Beleza. Mas precisa colocar no lugar algo que seja crível e realmente atue para estabilizar a relação dívida/PIB. Esse é um dos principais problemas brasileiros. Se esse dever de casa for bem-feito, acredito que vai continuar entrando dinheiro. Se a regra não for crível, se tiver de fazer curso na Sorbonne para entender, muda o cenário. É nítido que o mercado está dando o benefício da dúvida ao ministro Haddad.
Apesar do discurso alinhado de Haddad, por que Lula continua fazendo declarações com custo?
É importante separar o que é o dia a dia de tocar o país e o discurso político feito pelo Lula para manter acesa a militância. Ele tem essa capacidade de falar para os seus. Fala para o leigo. Diz que em seus governos anteriores o Banco Central não era independente e a inflação estava controlada com juro não tão alto, e que agora o juro está na lua. O que é importante, na minha visão, é que ele está respeitando a autonomia do BC. Disse que vai com Roberto Campos Neto até 2024 (quando termina o mandato do atual presidente do BC). Se dissesse algo diferente disso, estaria certo cobrar agora. Mas não fez isso, está respeitando a regra. Fala para seu público, mas precisa ter cuidado para não extrapolar. O mercado torce o nariz. Esse tipo de fala não é bom, mas a gente se acostuma. O estrangeiro está dando de ombros. Aqui dentro, estamos vendo, já há bastante tempo, resgates grandes de fundos de investimento. Quem mata no peito é o estrangeiro. Os fundos nacionais venderam muito imaginando que a economia pode mudar. Tudo vai depender da entrega. O presidente quer juros mais baixos? Para diminuir, é preciso fazer o dever de casa: definir uma regra fiscal que dê estabilidade para a relação dívida/PIB. Se fizer isso, naturalmente os juros vão começar a cair.
Coordenar expectativas é trabalho do BC. As projeções de inflação estão subindo, então precisa estar vigilante. Se o marco fiscal for crível, vai resgatar as expectativas de inflação. E tornar o trabalho do BC menos árido.
Mas os discursos fazendo preço, e a perspectiva de corte no juro foi adiada, não?
O Copom foi duro no comunicado porque a situação exige. Coordenar expectativas é trabalho do BC. As projeções de inflação estão subindo, então precisa estar vigilante. Se o marco fiscal for crível, vai resgatar as expectativas de inflação. E tornar o trabalho do BC menos árido. Dá para reduzir o juro no final do ano. Trabalho com redução de 0,5 ponto percentual nas duas últimas reuniões do Copom deste ano (a penúltima é no final de outubro). Sempre se tiver uma regra fiscal adequada. Se não tiver, ficaremos com 13,75% por muito tempo.