Depois do discurso ajustado de Aloízio Mercadante, novo presidente do BNDES, com direito a Comitê de Estudos Estratégicos com um dos criadores do Plano Real e um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal, foi a vez de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falar.
E, mais uma vez, foi contraponto: disse que a justificativa do Banco Central (BC) para manter a atual taxa de juro foi "uma vergonha" - de certo modo, o comunicado o responsabiliza pela "elevação de custo" do combate à inflação - e afirmou que "a classe empresarial precisa voltar a criticar o juro alto".
Lula começou seu discurso com uma crítica ao governo anterior, que gastou R$ 48 milhões com uma auditoria internacional que não encontrou qualquer indício de irregularidade no BNDES. Também tentou rebater duas fortes críticas que o banco público sofreu nas administrações do PT - o financiamento de obras no Exterior e a política de "campeões nacionais", que privilegiou grandes companhias - dizendo que "meios de comunicação preferem privilegiar a mentira" sobre esses temas.
— O BNDES nunca deu dinheiro para países amigos. Financiou serviços de empresas de engenharia do Brasil entre 1998 e 2017 e, como registrou uma matéria do Valor, o BNDES financiou US$ 10,5 bilhões e recebeu de volta US$ 12,9 bilhões (clique aqui para ver a nota à qual se referiu).
Lula reconheceu que há pagamentos atrasados de Cuba e Venezuela, mas atribuiu a responsabilidade pelo calote ao antecessor, que "resolveu romper relações" com esses países. E fez uma profissão de fé:
— Tenho certeza de que vão pagar. São países amigos do Brasil e certamente pagarão a dívida que têm com o BNDES.
Sobre a política dos "campeões nacionais", sustentou que 480 das 500 maiores empresas do Brasil receberam financiamento público "em volume significativo" e que 97% dos financiamentos diretos da rede de bancos estatais foram para pequenas e médias empresas. Em número, é possível. O problema é o valor.
Mas um dos pontos em que mais insistiu, inclusive saindo do discurso escrito que continha dados sobre os financiamentos do BNDES foi a tentativa de transformar o empresariado em aliado na queda de braço com o BC:
— Nos meus governos, o único dia em que a Fiesp falava era quando aumentava o juro. Agora não fala. Se a classe empresarial não se manifestar, ficam livres. Precisam ter noção de que não é o Lula que vai brigar, é a sociedade brasileira. Não existe nenhuma justificativa para que a taxa de juro esteja em 13,5% (sic, a taxa atual é de 13,75%). As pessoas me dizem 'presidente, não pode falar'. Mas se eu, que fui eleito, não puder falar, quem vai falar, o catador de material reciclável? A sociedade precisa compreender que a economia brasileira precisa voltar a crescer. E só tem dois jeitos: ou a iniciativa privada tiver empreendimentos ou o Estado incentiva a iniciativa privada a fazer. Precisamos colocar a mão na massa para o Brasil voltar a crescer.
Depois do discurso de Lula, o humor do mercado não piorou, como havia ocorrido na sexta-feira (3). O dólar já vinha em alta, e a bolsa em queda por peso do Exterior, mas ambas as trajetórias foram até atenuadas, ou seja, altas e baixas foram suavizadas. No início da tarde desta segunda-feira (6), o dólar avança 0,98%, para R$ 5,198, enquanto a bolsa tem ligeiro recuo, de 0,25%, praticamente estável. Talvez o mercado tenha entendido que os discursos presidenciais serão "heterogêneos", como classificou o economista André Perfeito. Ou pesou mais o discurso sensato de Mercadante.