Não foi por falta de aviso. Dois ex-presidentes do BNDES, dois quais um deles conhecido por ser duro crítico das gestões petistas, avisaram que não havia "caixa-preta" nos financiamentos concedidos pelo banco público para projetos em Cuba e na Venezuela. Um deles, Paulo Rabello de Castro, chegou a dizer à coluna que se "ajoelharia no milho" caso fosse encontrada alguma irregularidade não detectada por ele, que comandou o BNDES no período Temer. Rabello relatou ter feito uma devassa para ter certeza de que não havia risco para a instituição sem encontrar qualquer sinal de irregularidade. Nesta quarta-feira (29), o atual presidente do BNDES, Gustavo Montezano, convocou entrevista coletiva para tentar explicar a conta de R$ 48 milhões com investigações apenas sobre os negócios com a JBS que concluíram que tudo foi feito dentro das regras.
Disse que só autorizou um dos aditivos, de R$ 2,3 milhões. Os demais foram necessários, afirmou, para analisar novos dados da operação Bullish, da Polícia Federal. Só essa verificação custou R$ 11,9 milhões, relatou, dizendo que a aprovação inicial era de uma despesa de R$ 23,3 milhões, entre a contratação de consultoria e uma revisão.
O atual presidente confirmou o valor final e a inexistência de irregularidades. O mais grave não é o insucesso do que Rabello chamou de "busca insana sobre coisa nenhuma" do presidente Jair Bolsonaro, é o custo da obsessão: R$ 48 milhões para espantar fantasmas é uma conta muito alta mesmo que sobrasse dinheiro no orçamento público, o que não é o caso. Fica ainda mais estranho quando se sabe que o resultado é um relatório de oito páginas. Gustavo Montezano é o terceiro presidente que investiga a suposta "caixa-preta" sem sucesso.
Ao tentar explicar o inexplicável, Bolsonaro conseguiu, ao mesmo tempo, constranger e passar a mão na cabeça do atual presidente. Afirmou que haveria "coisa esquisita aí" e caracterizou Montezano como "um jovem bem intencionado", referindo-se ao valor da consultoria contratada. Nesta quarta-feira, o atual presidente do BNDES disse que considerava um elogio ser chamado de "jovem". A entrevista de Montezano ocorreu horas antes da reunião entre Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, para discutir o imbroglio.
Não está descartada a hipótese de a caixa-preta – um "santo graal ao contrário" na definição de Rabello –, fazer mais uma vítima. O primeiro ocupante do cargo no governo Bolsonaro, Joaquim Levy, foi afastado, em parte, pelo desgaste com a falta do esperado recheio explosivo da suposta caixa-preta. Seria bom se Bolsonaro lesse o diagnóstico de Rabello:
"Não existe financiamento para os países. Cuba não pode vir aqui pedir empréstimo. A aprovação (de um financiamento do BNDES) é para uma obra, uma exportação em que empresas do Brasil, com CNPJ brasileiro, vendem produtos e serviços de engenharia. E todo e qualquer centavo desses empréstimos volta para o banco".