O ano que está terminando era a última chance de emplacar alguma reforma no governo Bolsonaro. Mas em vez de fazer a reforma administrativa, a prioridade do presidente foi dar aumento a duas categorias — policiais federais e policiais rodoviários federais.
Como qualquer pessoa racional seria capaz de prever, o privilégio deflagrou pressão por reajuste de todos os servidores, debandada na Receita Federal, que teve cortes para "fazer caber" os novos salários e, agora, ameaça de greve.
Conforme Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado, na quarta-feira (29) será discutida uma paralisação pontual que, "se não for suficiente", poderá virar greve. Se por "suficiente" os servidores querem dizer "aumento para todos", já se sabe o resultado: não será. No orçamento que deveria indignar a nação, foi preciso fazer cortes na Receita Federal para que coubesse o reajuste para apenas duas categorias.
Conforme dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), cada ponto percentual de reajuste para todos os servidores federais custa R$ 4 bilhões. Se fosse apenas para repor a inflação deste ano, de 10% e uns quebrados, seriam necessários R$ 40 bilhões. Seria justo? Seria, ao menos para os civis, que estão com salários congelados nos dois últimos anos. Mas custaria quase a metade de toda a despesa com o Auxílio Brasil em 2022, que deve garantir benefício mínimo de R$ 400 a 17 milhões de brasileiros sem outra opção de renda.
O intrigante é que Bolsonaro exigiu reajuste para duas categorias não submetidas a congelamento e já com pisos bastante razoáveis para padrões brasileiros. Na Polícia Federal, os vencimentos começam em R$ 8.702. Na Polícia Rodoviária Federal, R$ 9.899. Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao governo federal, os servidores que menos recebem são profissionais de serviços operacionais, com R$ 2.635.
No outro extremo, por efeito da reforma da Previdência, generais da reserva do primeiro escalão tiveram reajustes de até 68% neste ano e alguns podem acumular subsídios que chegam a duas vezes o teto do funcionalismo: R$ 78,4 mil por mês. Correspondem a 29,7 vezes o valor do menor salário. O Brasil é um país desigual e, no serviço público, esse desequilíbrio se acentua.
Ouvir falar em greve de servidores em período de recesso pode não parecer assustador, mas o descontentamento não vai terminar com 2021. Se não for bem administrado, pode vazar para Estados e municípios. O preço final do afago eleitoral de Bolsonaro ainda está por ser definido.