A Câmara dos Deputados se aliou à desculpa conveniente de atender aos pobres para furar o teto, mas ficou tão feia a briga pelas "sobras" — o total chega a R$ 106 bilhões, o dobro do necessário para bancar o reforço no Auxílio Brasil — que agora o Senado é obrigado a consertar.
Outra vez, usando uma boa alegação — tornar permanente um programa de renda mínima no Brasil —, os senadores se preparam para rasgar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), justo no ano em que completa duas décadas em vigor.
Nas mudanças apresentadas pelo relator da PEC do Calote, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a "solução" para que o Auxílio Brasil se torne permanente é dispensar o governo federal de ter uma fonte de receita definida, seja de nova arrecadação ou corte de outra despesa, para bancar o programa. Essa é uma das regras essenciais da LRF para impedir que gastos sem lastro multipliquem a dívida.
A intenção do governo Bolsonaro de cavar espaço no orçamento para garantir benefício mínimo de R$ 400 apenas até o final de 2022, ano da escolha do futuro presidente, escancarou de tal maneira a função eleitoral da medida que precisou ser reformada.
Dar caráter permanente a um programa social é mais do que correto, é fundamental. Prometer benefício mínimo temporário e restrito a um ano eleitoral equivaleria a tornar insegura uma política social cuja definição é "garantia de renda mínima". Ou seja, seria transformar segurança em insegurança. O que ocorreria em 2023? Se o eleito não fosse Jair Bolsonaro, teria um vácuo na definição sobre o benefício?
Mas criar despesa sem receita tem efeito conhecido: eleva a incerteza e pressiona a inflação já nas nuvens. Dá com uma mão e tira com a outra, ainda mais para uma população sem acesso a instrumentos financeiros para se proteger da perda de poder aquisitivo. Depois de acenar com benefício mínimo de R$ 400 já na virada do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, o governo Bolsonaro teve de limitar o pagamento médio a R$ 217,18 mensais neste mês, porque não há fonte de receita.
Já houve ensaio até de ressuscitar as mudanças no Imposto de Renda que o Senado congelou depois de aprovadas na Câmara. Mas como o efeito líquido é piorar o que já está ruim, a perspectiva eleitoral também freia essa alternativa. Para um governo que coleciona feitos históricos negativos, seria mais um: matar uma regra fiscal que sobrevivia por duas décadas.