Por Michéle Mansor, gerente Nacional de Desenvolvimento Programático da Aldeias Infantis SOS
Há muitos anos atuando no terceiro setor, em uma organização que lidera o maior movimento de cuidado do mundo, posso afirmar: nenhuma família quer abandonar suas crianças e jovens. Na maioria das vezes, quando isso ocorre, seja de forma voluntária ou involuntária, foi porque faltou estabilidade econômica, atendimento básico de saúde e educação, acesso a uma educação inclusiva, a um transporte de qualidade, a moradias seguras e dignas. É preciso uma rede para que as famílias em vulnerabilidade consigam se manter estruturadas.
Essa percepção foi confirmada recentemente por um levantamento feito pela Aldeias Infantis SOS Internacional, com base no Relatório Global sobre Cuidado e Proteção Infantil, produzido em parceria com 10 instituições acadêmicas e apresentado na Organização das Nações Unidas, em Nova York. O estudo ouviu 1.137 pessoas e foi conduzido em sete países: Costa do Marfim, Dinamarca, El Salvador, Indonésia, Quênia, Quirguistão e Uruguai.
A negligência, que muitas vezes gera o abandono de crianças e jovens, também deve ser entendida como uma falta da sociedade e do Estado, a fim de evitar uma indevida e injusta culpabilização sobre as famílias
O cenário internacional se repete no Brasil e, também, no Rio Grande do Sul. Atuamos há 57 anos em Porto Alegre e o que já era difícil, ficou ainda mais complexo após as enchentes. É preciso garantir que famílias em situação de vulnerabilidade tenham acesso a uma ampla rede de serviços básicos e especializados. Entre eles o apoio psicossocial efetivo, que pode oferecer escuta individualizada e acompanhamento sistemático, e sistemas de proteção integrados e eficazes. Isso tudo vai além do apoio financeiro, passa pela criação de uma estrutura que dê dignidade e afeto às famílias.
A negligência, que muitas vezes gera o abandono de crianças e jovens, também deve ser entendida como uma falta da sociedade e do Estado, a fim de evitar uma indevida e injusta culpabilização sobre as famílias. A falta de serviços sociais e o aumento da pobreza contribuem para violência doméstica, vulnerabilização das famílias, situações de exploração do trabalho infantil e crianças e adolescentes em situação de rua.
Por isso, podemos afirmar que o melhor lugar para meninos e meninas continua sendo junto de suas famílias e cuidadores para que cresçam felizes, protegidos e respeitados.