Ainda antes da aprovação na Câmara dos Deputados – e até pela velocidade com que foi encaminhada a votação –, estava claro que a mudança do Bolsa Família para um supostamente mais reforçado Auxílio Brasil era apenas uma desculpa conveniente para furar o teto de gastos.
Agora, ficou cristalino até para quem se recusa a enxergar o óbvio no meio da fumaça provocada na Praça dos Três Poderes: do distante Bahrein, Jair Bolsonaro avisou que vai dar reajuste a todos os servidores públicos federais se a PEC dos Precatórios passar no Senado.
Ao sequer se preocupar em separar os salários básicos dos mais altos, que desde maio estão autorizados a ultrapassar o limite do teto – inclusive o do presidente – Bolsonaro chancela definitivamente o apelido que a proposta de emenda constitucional 23 ganhou: PEC do Calote.
Até o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), achou demais. Responsável por relatar a PEC do Calote, considerou "possível" dar reajustes ao funcionalismo em ano eleitoral, mas Bolsonaro terá de escolher prioridades. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) havia "reservado" R$ 24 bilhões da folga aberta no orçamento de 2022 com o calote dos precatórios para "correção pela inflação de salário mínimo e previdência". Mas não havia mencionado aumento salarial.
Bezerra sabe que não terá vida fácil. Há um ensaio de reação no Senado, que quer tentar reduzir o rombo no teto de gastos de 2022 provocado pela PEC do Calote. Apoiados em estudos técnicos do Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão de consultoria ligado à casa, os senadores quer usar outras rubricas no orçamento para priorizar o que de fato é essencial: a correção e, se possível, expansão, do programa social que representa proteção ao risco de reação social à falta de emprego e de amparo em meio a um surto inflacionário.
Sim, corrigir salários é importante em tempos de inflação descontrolada. Mas como disse o próprio líder do governo no Senado, é uma questão de prioridades. Nas contas da equipe econômica, um reajuste de 5% custaria R$ 15 bilhões. Se fosse para repor a inflação, com correção de 10%, seriam necessários R$ 30 bilhões.
A prioridade de Bolsonaro está cada vez mais clara: encaminhar a própria reeleição. Custe o que custar. Claro, o mercado reagiu: a bolsa trafegava no patamar de 106 mil pontos, quase perdeu os 104 mil - bem no dia da instalação de um touro "de ouro" em frente à B3 - e no meio da tarde tenta voltar ao menos aos 105 mil, com queda de 1,47%. O dólar sobe 0,76%, para R$ 5,50. Enquanto isso, economistas revisam, para baixo, as já modestas projeções de crescimento para 2022.