Embora haja crescentes críticas ao presidente Jair Bolsonaro entre empresários e ex-integrantes de governos não petistas, é raro ouvir frases como a do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências, uma das consultorias empresariais mais respeitadas do país:
– Se a disputa for entre Bolsonaro e Lula, o mercado vai de Lula.
Maílson disse à coluna que não "lulou", faz análise à luz de dados econômicos e pesquisas. Avalia que a terceira via tem chance se Bolsonaro desistir da reeleição diante da rejeição popular crescente. Mas com polarização, diz que "o dinheiro" vai preferir o pragmatismo já testado do Lula ao "desastre" de Bolsonaro. Lembra que as projeções de PIB para 2022 estão em torno de zero sem considerar racionamento de energia.
Causou impacto uma frase sua sobre o mercado preferir Lula nas eleições. É isso mesmo?
Disse que não tinha bola de cristal, mas apostava que o mercado vai preferir Lula a Bolsonaro. Grande parte do mercado já desembarcou de Bolsonaro. É a primeira vez que vejo executivos de bancos assinando manifestos por democracia, porque têm a percepção de que está sendo atacada. E as perspectivas econômicas não estão nada boas para 2022. A promessa de uma agenda liberal à la Margaret Thatcher não vai acontecer. E todos os sinais são de que a economia não está decolando, como disse o ministro Guedes, mas ocupando a capacidade ociosa.
Vou fazer a pergunta que os leitores fariam: o senhor "lulou"?
Não, estou fazendo uma análise. Em 2022, o mercado não terá dúvida sobre o fracasso do governo Bolsonaro e das promessas de seu ministro da Economia. Os mais maduros do mercado conhecem Lula. É verdade que ele está com um discurso muito ruim de que vai revogar teto de gastos. Isso é uma loucura. Mas já provou que é pragmático. Dificilmente vai querer ter vitória eleitoral seguida de grave crise financeira, econômica e social. Deve fazer, ao longo da campanha, vários movimentos em direção ao centro. Fez isso em 2002, escolhendo José Alencar (empresário, dono da Coteminas) como vice e incluindo na equipe econômica nomes como os de Murilo Portugal e Marcos Lisboa (economistas identificados com a economia de mercado). Isso pode acontecer de novo. Em plena campanha eleitoral de 2002, Lula apoiou o acordo do governo FHC com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que para petistas é tabu.
Não me surpreenderia se, durante a campanha, anunciasse quem seria o ministro da Fazenda, com um perfil próximo de Marcos Lisboa.
A declaração sobre colocar um político no Ministério da Fazenda não preocupa?
Não, Lula faz isso para segurar sua base radical. Não me surpreenderia se, durante a campanha, anunciasse quem seria o ministro da Fazenda, com um perfil próximo de Marcos Lisboa. Não tenho nada contra um político ser ministro da Fazenda. Fernando Henrique foi um ótimo ministro da Fazenda. O Plano Real deu certo por que ele era político e não se preocupou com o risco da proposta. Viu a chance de deter a inflação e se eleger presidente.
Não vê espaço para terceira via?
Vejo um cenário alternativo, que depende da continuidade da queda de Bolsonaro nas pesquisas e da cristalização de sua rejeição. Os eleitores percebem que ele não merece o segundo mandato pelo desastre que foi o primeiro. O novo Bolsa Família vai permitir a conquista de parte da classe menos favorecida, mas não será suficiente. Desde a volta da democracia, nenhum presidente se elegeu com mais de 30% de avaliações negativas, e Bolsonaro está perto de 60%. Se perceber que não chegará ao segundo turno, pode desistir da candidatura. Pode preferir não enfrentar o dissabor da derrota. Tem o discurso pronto, de não participar de eleição sujeita a fraude por não ter voto impresso. Aí a terceira via ganha força, mas isso teria de acontecer já no primeiro turno. E será preciso uma liderança com capacidade de coordenação e articulação para induzir a escolha de um só nome e dizer aos demais 'esperem a próxima vez'. Mas quem vai, por exemplo, convencer Ciro (Gomes, pré-candidato pelo PDT)? Se não for assim, dá Lula.
Por menos alvissareira que seja a candidatura dele, é menos ruim do que Bolsonaro.
Conforme o Datafolha, 47% dos empresários consideram "ótima" ou "boa" a forma como Bolsonaro governa, isso não tem peso?
Empresários são uma pequena minoria do eleitorado. Podem ser formadores de opinião, podem financiar campanha, mas não ganham eleição. E o financiamento hoje está mais restrito, empresas não podem fazer doações formais. Uma novidade na eleição de 2022 é o surgimento de Eduardo Leite. Mas tudo depende de como votará o bolsonarista-raiz. Se se sentir órfão porque seu 'mito' não concorre, pode anular voto, o que favoreceria Lula. Se predominar o sentimento antilula, pode ganhar a terceira via. Se a disputa for entre Bolsonaro e Lula, o mercado vai de Lula. Por menos alvissareira que seja a candidatura dele, é menos ruim do que Bolsonaro, que não sabe nem como funcionam as instituições.
A economia não vai decolar?
Não sou especialista em aeronáutica, mas pelo que entendo, decolar é sair do chão, ganhar altura e não despencar à frente. O PIB deve passar de crescimento em torno de 5% neste ano para perto de zero no próximo. Já existem projeções de 0,5% e 0,4%. A da Tendências ainda está em 1,8%, mas devemos revisar esse número. A principal causa é que o Brasil, depois de voltar a ocupar a capacidade ociosa, tende a voltar à mediocridade em termos de potencial de crescimento, ao redor de 2% se tudo der certo. Mas a pressão inflacionária, a instabilidade, a dificuldade orçamentária e a necessidade de elevar o juro vão representar mais custo de crédito em um ambiente em que as famílias já estão muito endividadas, então o consumo vai sofrer com desaceleração.
O presidente tem parte nessa inflação. A instabilidade que causa na política gera incertezas.
Houve erro na calibragem da inflação?
Não sou da turma que critica o Banco Central (BC) por suposto erro na condução da política monetária. Até o primeiro trimestre deste ano, o mercado sancionava discurso do BC. Havia uma inflação que subia, mas era temporária e convergiria para a meta. Em janeiro. o boletim Focus apontava IPCA de 3,4% e Selic de 3% para este ano.
O que mudou?
Houve uma tempestade perfeita, que começou com o aumento das commodities (matérias-primas básicas, como petróleo, minério de ferro e soja). Só que desta vez, ocorreu um fator raro: essa elevação veio com depreciação cambial. O normal seria que, como país exportador, o Brasil se beneficiasse. Como vende commodities, entrariam dólares e o real se fortaleceria. Mas com um problema fiscal muito grave e o "efeito Bolsonaro", isso não ocorreu. O presidente tem parte nessa inflação. A instabilidade que causa na política gera incertezas. E começaram a chegar outros problemas, geada, crise energética, de combustíveis. Agora, o BC manda a mensagem que a Selic será restritiva, para desacelerar a atividade econômica. E tudo isso em um cenário em que não vai haver racionamento. Se a chuva for menor do que a prevista para outubro e novembro, a situação se complica. Um 'apagão' pode provocar queda de um a dois pontos percentuais do PIB. Aí teríamos um 2022 com inflação alta e recessão.
É possível controlar a inflação só elevando o juro?
A rigor, o combate deveria ter taxa de juro e política fiscal restritiva. Isso não e viável, seja porque o governo está engajado em fervor eleitoral para viabilizar um Bolsa Família turbinado, seja pela polêmica dos precatórios. Vai ser trabalho exclusivo do BC, com impacto maior sobre a atividade econômica. E ainda bem que o BC agora é autônomo, senão Bolsonaro poderia mandar demitir seu presidente, como fez na Petrobras e no Banco do Brasil. Mas a inflação, muito provavelmente, não vai ceder tão facilmente. E agrava a crise fiscal que ameaça com uma situação delicada, a dominância fiscal. É quando o BC perde a capacidade de assegurar a estabilidade da moeda porque o aumento da taxa de juro agrava a situação das contas públicas.
É triste ver o governo dizer 'devo, não nego, pago quando puder'. Isso é frase de caloteiro, repetida por um ministro da Economia que se diz ultraliberal.
Qual será o impacto da PEC dos precatórios?
É surpreendente como pessoas em altas esferas do setor público e privado não percebem que calote em precatórios é algo muito grave, pela via do contágio da imagem do país. Precatório é um direito líquido e certo por decisão judicial. É triste ver o governo avisar 'devo, não nego, pago quando puder'. Isso é frase de caloteiro, repetida por um ministro da Economia que se diz ultraliberal. Tenho defendido que a saída é tirar os precatórios do teto, porque aconteceu algo imprevisto.
O 'meteoro', como disse Guedes?
O (Henrique) Meirelles diz que chamar de 'meteoro' é antigo, porque agora se sabe onde caem com antecedência. Ocorreu algo que o governo não entendeu: o aumento da eficiência do Judiciário. É o poder mais digitalizado dos três. Os plenários virtuais, o novo Código de Processo Civil reduziram a burocracia. O Supremo, no ano passado, julgou mais casos do que nos últimos 12 anos somados. Isso aumentou os precatórios, mas o Tesouro arrecadou quase R$ 80 bilhões amais. Vale para a despesa e para a receita. O Mansueto (de Almeida), criador da regra do teto, diz que, se soubesse, o precatório teria ficado fora do teto. O devedor do precatório é o mesmo da dívida mobiliária federal (a União). Os credores vão se perguntar 'por que paga um e não outro?' e pensar 'daqui a pouco podem fazer o mesmo fazer comigo'. Essa é uma das razões pelas quais o juro está subindo. Essa PEC é a própria emenda pior do que o soneto. O governo quer pagar em 2022 R$ 39 bilhões dos R$ 89 bilhões devidos. Pedalaria R$ 50 bilhões para o ano seguinte. Há um cálculo de que pode chegar a R$ 5 trilhões em 25 anos, mesmo que cresça 10% ao ano, sendo que a média dos mais recentes é de 22%. Retirar a parte do Fundef do teto é boa, mas só vale para 2022, depois não tem mais. Se aprovar, depois o STF apontar inconstitucionalidade, complica. O governo terá contado com orçamento que não tem espaço para Bolsa Família e outros gastos.
Pior do que não fazer reformar é fazê-las malfeitas. A mudança do Imposto de Renda está se tornando um pesadelo.
Por que cada vez mais economistas reformistas pedem que o governo pare de fazer reformas?
Estou nesse time há muito tempo. Pior do que não fazer reformar é fazê-las malfeitas. Foi o que ocorreu com a privatização da Eletrobras, em que foram inseridos 'jabutis' determinando a construção de térmicas a gás onde não chega gás. A mudança do Imposto de Renda está se tornando um pesadelo. Já saiu ruim do Ministério da Economia e piorou consideravelmente na Câmara, com perda de R$ 30 bilhões para o governo federal e perto disso para Estados e municípios. Vai aumentar a incerteza, a pejotização, e não era prioritária. Prioritária era a votação da PEC 45, com a reforma da tributação do consumo. Do jeito que foi feita a mudança no IR, vai piorar.
É o caso da reforma administrativa?
Esse texto que está no Congresso gera novos privilégios. Até agente de segurança municipal vai ter status de militar para efeito de benefícios, e vão para a Constituição regras que deveriam estar na lei. Ficam de fora o Judiciário, o Legislativo e os militares. O Rio Grande do Sul fez uma reforma muito melhor.