Na segunda-feira (3), o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), deve entregar o trabalho que une as versões de Câmara, Senado e governo federal ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Lira garante que essa é a prioridade, enquanto o Senado se ocupa da CPI da Covid. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, disse haver acordo para "fatiar" as mudanças em quatro etapas, das quais a primeira seria a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), fusão de PIS e Cofins. Diante da reação negativa, recuou. Quem também pauta esse debate é Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCF) e mentor de uma das propostas de emenda constitucional (PEC) que servem de base para a reforma. Em 2019, Appy estava otimista sobre o avanço. Agora, está mais cético, mas argumenta que uma reforma ampla eleva em 20 pontos percentuais o potencial de crescimento do Brasil em 15 anos.
Dá para acreditar, desta vez?
(longa pausa antes da resposta) Acho que tem chance, sim. O Congresso mostrou interesse na retomada do tema. Com a apresentação do relatório, a princípio está se criando uma oportunidade para avançar com a reforma tributária. Mas saber exatamente o que vem pela frente ainda está em aberto.
Qual sua avaliação sobre a hipótese de fatiamento?
Parece ser inconsistente com a tarefa dada ao relator, que parte de duas PECs, a da Câmara e a do Senado, que propõem reforma ampla, com a unificação dos impostos sobre o consumo federal, estaduais e municipais. Quando aparece essa discussão sobre uma reforma fatiada, que teria como primeira fase a CBS, muda esse rumo. A criação da CBS não precisa de emenda constitucional, pode ser feita por lei ordinária. Não sei se no parecer vai entrar algum tipo de faseamento, mas o que se espera é que inclua impostos federais, estaduais e municipais.
A saída da assessora especial para a reforma tributária no Ministério da Economia, Vanessa Canado, pode dificultar o avanço?
Que eu saiba, a Vanessa está saindo por motivos pessoais. Será substituída por Isaías Coelho, bastante qualificado. Os dois passaram pelo Centro de Cidadania Fiscal, o Isaías foi fundador, a Vanessa havia saído para o governo. Pode ser que o Isaías não tenha acompanhado tão de perto, mas já era assessor do ministro Guedes, então não deve se perder o acúmulo que já houve.
Reforma tributária é o fator mais importante do ponto de vista do potencial de crescimento do país em 10 ou 15 anos.
O que seria o mínimo aceitável para a reforma tributária?
O Brasil tem de entender que a reforma tributária é o fator mais importante do ponto de vista do potencial de crescimento do país em 10 ou 15 anos. Quanto mais ampla, maior o efeito. O que temos de conseguir é o máximo possível politicamente. Então, obviamente entendo que o ideal é uma reforma ampla. Os benefícios econômicos de uma reforma ampla são muito maiores do que os restritos ao PIS-Cofins, que não são relevantes. É muito pouco perto das propostas que incluem o ICMS. O CCF estima que uma reforma ampla como a prevista na PEC 45 aumenta o PIB potencial do Brasil em 20 pontos em 15 anos. Mudar só PIS-Cofins teria potencial de 2 a 3 pontos nesse mesmo prazo, e um eventual custo político não é muito diferente. É preciso tentar fazer o máximo possível.
Discutir reforma tributária depois do impasse no orçamento não embute maior risco de aumento de carga?
Nas propostas de reforma ampla, está prevista toda uma estratégia para não haver aumento de carga tributária. Há previsão de ajuste depois de um ano, caso se verifique que houve aumento de carga. É possível ajustar alíquota para compensar. A proposta da CBS define alíquota sem detalhar a memória de cálculo para chegar a essa alíquota de 12%. A CBS não tem período de teste. A situação fiscal do Brasil é complexa, sim. Mas há duas formas de resolver: com aumento de carga ou via aumento do PIB. Defendo a segunda.
Como a CPMF é uma saída fácil, embora errada, não descarto a possibilidade de que volte à pauta.
Depois de tudo, a CPMF ou tributo semelhante ainda é risco?
A princípio, não está mais no cenário. Há resistência no Congresso, e o presidente da República teria vetado a reintrodução do tema. Como a CPMF é uma saída fácil, embora errada, não descarto a possibilidade de que volte à pauta. Espero que não, mas não dá para ter certeza.
Com a reforma empacada, é possível esperar uma solução salomônica do Supremo Tribunal Federal (STF) no impasse do PIS-Cofins, mais uma combinação entre manicômio tributário e voracidade arrecadatória?
Pessoalmente, não concordo com decisão do Supremo. O desenho de um bom sistema tributário não inclui cobrança de tributo sobre tributo, mas reverter uma prática histórica por decisão judicial não é o ideal. O modelo estava errado, mas deveria ser revisto pelo Legislativo. A partir do momento em que o STF tomou a decisão, as empresas passaram ao operar com essa lógica. Não sei se existe solução salomônica. O STF, obviamente, não pode voltar atrás. Mas pode calibrar a decisão nos detalhes. O principal é a partir de quando vale essa interpretação. No máximo, tem de ser a partir da decisão, que é de 2017. Sem contar que tem de valer para quem tem ação com recurso transitado em julgado, é claro.
Biden quer interromper esse processo, que resultou em uma espécie de guerra fiscal mundial.
Quando Trump aprovou uma reforma tributária, surgiu a tese de que deveríamos nos adaptar. Agora, Biden propôs outra reforma, em sentido contrário. Faz diferença para o Brasil?
A mudança proposta por Biden tem vários componentes. A reforma de Trump reduziu o imposto de renda para as empresas de 35% para 21%. Biden está propondo elevar para 28%, que é exatamente o meio do caminho. O movimento de Trump confirmava uma tendência de redução de impostos para as corporações iniciada em meados de 1980. Biden quer interromper esse processo, que resultou em uma espécie de guerra fiscal mundial. Também está propondo uma alíquota mínima de imposto sobre empresas de 21%. É uma iniciativa forte, que prevê que países poderão cobrar a diferença remessas ou recursos provenientes de países com alíquota menor, sem abatimento. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já vinha discutindo uma alíquota mínima mundial de 15%. A grande mudança é interromper o que os americanos chamam de race to the bottom (conceito de que é preciso regulação e impostos mínimos para atrair negócios).