O economista gaúcho Marcelo Cabral saiu do Brasil há 32 anos. Atuou em mesas de investimento em Nova York, Londres, Luxemburgo e Hong Kong. Foi executivo de bancos como JP Morgan, Morgan Stanley e Credit Suisse. Era presidente do Bradesco Europa e da Bradesco Securities, em Nova York, quando decidiu fundar a gestora de ativos Stratton Capital, referência à cidade do Estado de Vermont, na fronteira com o Canadá, onde tinha uma casa "de férias" mas passou a viver na pandemia. Em Stratton, um bucólico mas sofisticado destino de sky, o prédio mais alto tem quatro andares e a covid-19 parece controlada, contou:
— Estou em home office e nem penso em voltar (a Nova York). As coisas lá ainda estão complicadas, porque a gravidade da pandemia varia muito conforme a região. Em Vermont, houve apenas duzentas e poucas mortes.
No Brasil, o risco é maior, não só à saúde mas ao bolso, avalia. E embora tenha perdido o interesse dos investidores internacionais há mais tempo, sofre adicionalmente com questões políticas e incerteza jurídica.
Aumentou o risco percebido por investidores estrangeiros no Brasil?
Comecei a trabalhar com emergentes logo depois de ter vindo para cá, no final do anos 1980, quando começava a se falar nesses mercados. Antes foram os Tigres Asiáticos, depois passou para a América Latina. Na década de 1990, houve grande expansão de fundos de mercados emergentes. Só que, nos últimos 10, 15 anos, o tema saiu de moda. O desempenho do mercado acionário dos emergentes na última década e meia foi péssimo. Houve crescimento muito acelerado na China, mas os outros não entregaram a promessa. Então, o interesse, que já era pequeno, é decrescente. O capital está refluindo para os EUA, e isso se exacerba com a pandemia, com exceção da China. Os mercados emergentes têm menos condições fiscais de apoiar suas economias. O Brasil sofre como emergente e também por questões políticas e incerteza jurídica, o que assusta o investidor estrangeiro.
O interesse por ações do Brasil é mais determinado pelo apetite de risco internacional do que pelos fundamentos do país.
Consultores brasileiros dizem que o apetite pelo Brasil caiu, é o que se vê no Exterior?
É um fato. O interesse por ações do Brasil é mais determinado pelo apetite de risco internacional do que pelos fundamentos do país. O investidor global tem uma carteira de investimentos e, dentro da classe de ativos que a compõem, os emergentes deveria representar alto risco, portanto alto retorno. Nos últimos 10 anos, tem sido alto risco e baixo retorno, pela volatilidade. Se o investidor olha o mundo e vê cenário favorável à tomada de risco, o que chama de "risk on", busca mercados emergentes, venture capital, tecnologia. Se tem menos convicção no cenário, aloca menos dessas classes.
A crise de 2008 tem relação com a "saída de moda" dos emergentes?
Sem dúvida, foi um momento de reduzir risco e, nesse cenário, os mercados emergentes sofrem para caramba. Os investidores institucionais se voltam para os EUA.
Leilões no Brasil que surpreenderam pelo ágio mostram outro tipo de apetite?
Sim, estou falando de investimento financeiro, que vê mais o curto prazo. Mas a comemoração em relação ao ágio também é um pouco ingênua, porque depende muito do preço mínimo.
Quando investe no ativo, também investe na moeda. A desvalorização do real é muito grande. Para o investidor financeiro, principalmente, o câmbio é muito relevante.
O que pesa mais, a deterioração das contas públicas?
Pesa muito, é um dos sinais mais importantes. Mas é preciso atenção para o fato de que o investidor, seja financeiro ou de longo prazo, não costuma hedgear (gastar com proteção contra variação cambial). Quando investe no ativo, também investe na moeda. A desvalorização do real é muito grande. Para o investidor financeiro, principalmente, o câmbio é muito relevante.
Interferência em estatais, como a Petrobras, também pesa?
Bate forte. O maior dano foi com relação às elétricas, quando foram rompidos os contratos (no governo Dilma). Foi um problema grande. Como hoje o número de investidores que acompanha o Brasil no detalhe é cada vez menor, o que vale é a narrativa de manchetes. Nem sempre se analisa com a devida profundidade. O que chega, para o investidor institucional que não acompanha no detalhe, é que o Brasil tem eleição presidencial no ano que vem com debate político muito acirrado. Isso cria incerteza política elevada e tem grande impacto. A previsão de crescimento do PIB nos EUA é de 6% pelo FMI — a minha é de 7,5% — e, se o Brasil chegar a 3% vai ser bom, mas é só carry over (carregamento estatístico). É difícil justificar tomar risco de longo prazo e encarar o Brasil com baixa perspectiva de crescimento, risco fiscal e orçamentário e pandemia em situação complexa.
O brasileiro globalizou o consumo, mas não o investimento. Compra na Amazon, viaja. parte da classe média alta mora fora, mas a carteira de investimento continua pré-globalização.
Nesse quadro, você recomenda que brasileiros invistam no Exterior?
O conceito que procuramos passar aos clientes é de que o brasileiro globalizou o consumo, mas não o investimento. Compra na Amazon, viaja, mora fora, mas a carteira de investimento continua pré-globalização. Poupar em reais para gastar em dólares não é boa ideia. Quem tem filho estudando no Exterior, ou viaja duas vezes ao ano tem de poupar em dólar. Aí, quando o presidente fala algo de que o mercado não gosta ou cai o ministro da Economia, não sofre descasamento de ativos e passivos.
Mas isso não se faz com US$ 500, não?
Começa a se justificar a partir de US$ 50 mil, US$ 100 mil.
E o risco moeda não é um problema para globalizar investimentos?
Essa é uma questão crítica. O Brasil tem uma enorme indústria de fundos de investimentos. É a oitava maior do mundo, com cerca de US$ 1 trilhão. E a característica desses recursos é ser extremamente concentrada dentro do Brasil. Se ocorre um problema mais generalizado na economia, todos os ativos sofrem. Para quem pensa no curto prazo, é muito difícil prever o comportamento da moeda. Percebo que as pessoas ficam focadas demais nisso e retardam a decisão de diversificar. Lembra quando o dólar a R$ 3,50 era "caríssimo"? O real perdeu 84% de seu valor em relação ao dólar desde seu lançamento, em julho de 1994. No longo prazo, há quatro variáveis a considerar: a taxa da remessa, a taxa em que traz de volta, a rentabilidade no Exterior e a do Brasil. Se ficar entre três e cinco anos, a probabilidade de se arrepender é muito pequena. Nos últimos 10 anos, o retorno em dólares do mercado americano foi de 280%. Nesse período, as ações no Brasil caíram 40% em dólar.
O erro que o Banco Central cometeu no Brasil, de deixar as taxas baixas demais por muito tempo, pode ser repetido pelo Fed.
O comportamento da bolsa americana é sustentável?
Não. Nem deveria dizer isso, mas nossa carteira mais agressiva teve valorização de 70% nos últimos 12 meses, em dólares. Isso não vai acontecer de novo. O retorno médio dos últimos 10 anos da bolsa nos EUA foi de 14% ao ano. Também não deve se repetir. Este ano será bem mais difícil. Os problemas podem ficar sérios. Há risco de superaquecimento da economia, a inflação vai subir e, em algum momento, os EUA vão ter de subir o juro. Vai haver solavanco. Não quero passar uma visão rósea. O erro que o Banco Central cometeu no Brasil, de deixar as taxas baixas demais por muito tempo, pode ser repetido pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA).