Na primeira entrevista exclusiva depois da vitória no leilão de privatização da CEEE-D, Augusto Miranda, CEO da Equatorial Energia, relatou à coluna que conhece bem o Rio Grande do Sul por relações com empresas do setor elétrico que operaram no Estado, como Trafo e Coemsa. A companhia tem capital pulverizado, sem controlador definido, chamada de "corporation" no jargão empresarial, como a Lojas Renner. Ao saber da comparação da coluna, Miranda a considerou positiva, dada a boa reputação da Renner. Na conversa por aplicativo de vídeo, com participação de Tatiana Vasques, superintendente de Estratégia Financeira e Relações com Investidores, os executivos evitaram projetar volume e ritmo de investimentos na distribuidora de energia. Mas afirmaram que, em todas as concessões adquiridas – Pará, Maranhão, Piauí e Alagoas –, elevaram o nível dos aportes, exigidos com constância no segmento. Também confirmaram a intenção de fazer programa de demissão voluntária (PDV) e se comprometem com a melhora da qualidade do serviço: quando assumiram a Cemar, a empresa era a última no ranking de qualidade de serviço da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – posição ocupada hoje pela CEEE-D –, e hoje é a oitava colocada. Outra concessionária da Equatorial, a do Pará, é a segunda. Sobre apagões em Alagoas, onde assumiu a distribuição há dois anos, Miranda afirma que a origem é a Chesf, responsável pela transmissão naquele Estado. Segundo os executivos, a Equatorial estudava a compra da CEEE-D desde outubro de 2020 e, nesse processo, tiveram uma surpresa.
– Descobrimos vários gaúchos na equipe – comentou Miranda.
– Já nos disseram que devemos dizer "cêé", não cê-três-é (como a CEEE é conhecida fora do Rio Grande do Sul) – acrescentou Tatiana.
Quais são os planos de investimento da Equatorial da CEEE-D?
Quando a gente parte para fazer um bid (oferta em leilão), tem premissas, baseadas nas melhores informações possíveis, e faz um plano. Na hora em que coloca os pés na empresa, o que deve ocorrer em dois, três meses, refinamos esses números, até para não vender ilusão. Uma coisa de que a gente gosta é de trabalhar com órgãos de planejamento do governo. Por exemplo, o governo sinaliza que vai haver um polo pesqueiro em uma região. Nesse caso, a gente adequa os planos para fazer uma alocação prudente. É mais no sentido de não vender ilusão. Mas o que posso dizer é que quando entra, a gente impulsiona, faz os investimentos onde são necessários.
Tatiana – Em todas as concessões que assumimos até hoje, aumentamos o volume de investimentos com a aquisição, para melhorar a qualidade, combater perdas, que acabam trazendo mais tributos e mais arrecadação para o Estado, e atendendo também ao crescimento. Se há alguma demanda não atendida de crescimento, a gente tem de reforçar a rede para ser um catalisador de desenvolvimento na região.
Existe expectativa, no governo do Estado, de investimento ao redor de R$ 1,5 bilhão. Está muito fora da realidade?
O que queremos dizer é que, se houver a necessidade de aporte, a gente acompanha. A melhor maneira de explicar é com a nossa trajetória no Pará, onde chegamos há oito anos. E em todas as concessões que assumimos, o investimento foi bem acima do plano. No Piauí, hoje chegamos há dois anos, tínhamos a obrigação de investir R$ 40 milhões, e fomos muito além disso. O mercado exigiu, houve necessidade de atender a uma demanda reprimida, e investimos.
O Rio Grande do Sul é um Estado que acompanhamos, tem um potencial muito grande. A gente entende que há demanda reprimida de energia, um item essencial para o desenvolvimento do Estado.
O que foi decisivo para a decisão de comprar a CEEE-D?
O Rio Grande do Sul é um Estado que acompanhamos, tem um potencial muito grande. A gente entende que há demanda reprimida de energia, um item essencial para o desenvolvimento do Estado. Dentro disso, fez análise do negócio e viu que, revendo pontos, agregando investimentos que nos predispomos a colocar, fazendo melhorias de gestão, pode recuperar a empresa. Sou do setor há algum tempo, e sei que a CEEE é uma empresa respeitada, por seus técnicos, por sua história. Agora, juntando nossa competência com a dos gaúchos, pode devolver esse lugar de destaque para a empresa. A Equatorial tem modelo de gestão muito exitoso. É o espírito de dono. É o que a gente chama de política meritocrática, em que o empregado se torna o dono. Então, você pega algumas pessoas, as que compram o sonho, e elas se tornam sócias, têm ações da empresa. Você tem empregados com ação e, assim, começam a pensar como donos. Imagina em um Estado como o Pará, com 1,23 milhões de quilômetros quadrados, o que acontece lá em Xinguara (a quase 800 quilômetros da capital, Belém)? Quem menos sabe sou seu. Se não alinharmos interesses para a pessoa raciocinar como dono, fica mais difícil.
Como será a política de pessoal da Equatorial?
Primeiro, não pode haver preconceito, é preciso ter a cabeça aberta. E não se trata do que quero ou o que a Tati quer. Ou você busca pessoas boas ou não sobrevive. A pessoa não vai estar lá porque é primo de Augusto, mas por ser competente. A primeira coisa que fazemos é conhecer as empresas e ver, com algumas pessoas-chave, como opera, qual é a cultura, qual é a motivação. É um modelo simples. Se a pessoa comprar o sonho, ela se engaja. Na gestão central, temos pessoas do Piauí, de Alagoas. Quando chegamos ao Piauí, encontramos pessoas muito melhores, para certas posições, do que a gente tinha. Às vezes, não há terreno fértil, não há estímulos. No interior do Maranhão, do Pará, às vezes as pessoas não têm a oportunidade de conhecer o presidente. No nosso modelo, é natural. A diretoria vai lá, vai comer uma galinha com o cara, vai comer um churrasco. Isso cria uma ligação. Não tem essa de ser presidente e estar em sala fechada. Temos uma gestão simples, de portas abertas. Vai ser assim na CEEE-D, não vai ter uma sala para o cara ficar lá isolado. No Piauí, no Maranhão, é no meio do salão, não tem parede, está no meio dos trabalhadores, interagindo. É trabalhoso, mas é muito poderoso, transformador, uma cultura que dá resultado.
A oportunidade de receber ações vale para os executivos da empresa, é uma política de retenção. É para o funcionário que se destaca.
Todos os funcionários recebem ações?
Estou no grupo desde que a gente chegou ao Maranhão, há 17 anos. Nosso diretor jurídico foi aprendiz da empresa. O superintendente de arrecadação foi estagiário. Tenho mil histórias como essas para contar. Em pesquisa interna, aparece que as empresas não olham tanto a questão salarial, mas a oportunidades de crescer na organização. A oportunidade de receber ações vale para os executivos da empresa, é uma política de retenção. É para o funcionário que se destaca.
Tatiana – A Equatorial também trabalha com remuneração variável, que gera alinhamento em toda a cadeia. E não só para a equipe própria, vale para os terceirizados. Se a empresa for bem, todo mundo ganha. Não é participação nos resultados, é uma remuneração variável baseada em metas.
Na teleconferência, houve menção a PDV. Será uma das primeiras medidas?
É natural, para oxigenar. A gente não conhece a empresa por dentro, nos detalhes. Existem os que já estão aposentados, o empregado que não está a fim disso. Um PDV é um instrumento que você usa, às vezes é uma maneira de canalizar a vontade do empregado. Existe um acordo que só permite demissões só seis meses depois de assumir o controle, mas nada impede que se lance um PDV, para quem quer sair de forma voluntária.
Atendemos a distribuição, e tivemos alguns apagões da Chesf . Para fornecer energia, você tem de correr, tem de malhar. Vai exigir investimento para fortalecer a rede.
Existe preocupação com o serviço, porque Alagoas e Piauí não estão no ranking da Aneel, e em Alagoas houve apagões. Haverá risco de apagões com a Equatorial na CEEE-D?
Quando adquirimos a concessionária do Maranhão, era a pior empresa do ranking, depois substituída nessa posição pela do Pará, que tivemos a felicidade de levar ao segundo lugar. Então, não é só sorte. É uma construção de competência, capacidade, investimento, gestão. Em Alagoas, DEC e FEC (indicadores de duração e de frequência de cortes no fornecimento de energia) estão em queda livre. Atendemos a distribuição, e tivemos alguns apagões da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco, parte do Sistema Eletrobras, que cuida da transmissão). Para fornecer energia, você tem de correr, tem de malhar. Vai exigir investimento para fortalecer a rede. É preciso diversificar fontes, melhorar a redundância (mais de uma opção de linha de abastecimento), criar outros caminhos para a energia chegar à casa do cliente. Alagoas está melhorando. Piauí, Alagoas e outras empresas privatizadas tinham um plano especial e não entraram no ranking, mas a gente queria que estivesse, porque iria mostrar evolução muito positiva.
Tatiana – Quando a gente assumiu, o DEC de Alagoas era de 23 horas (tempo médio em que o consumidor ficava sem energia em um ano). A gente precisou recalcular os indicadores de qualidade, porque a medição não estava correta, então tivemos de mudar a metodologia e isso causou aumento do DEC. Hoje, com a fórmula nova e correta, já está em 19,3 horas. Então, mesmo com o ajuste de metodologia que fez o DEC aumentar, já caiu em relação o que encontramos.
O governo gaúcho anunciou a privatização da Corsan, e a Equatorial analisa a concessão da Cedae, que atua nessa área no Rio de Janeiro. A empresa já sinalizou que a compra da CEEE-D não impede novas aquisições. Existe interesse na Corsan?
Tatiana – A gente deixa clara a nossa estratégica de fazer investimentos no segmento do setor elétrico, em distribuição principalmente, que é o nosso DNA, em transmissão também, é um segmento em a gente acha que tem muito o que aportar, levando nosso modelo de negócio, mas o comentário específico sobre determinados ativos a gente se reserva o direito de não fazer por conta até de questões estratégicas.
Mesmo assim, tenho a obrigação de perguntar se a Equatorial teria interesse nos outros braços da CEEE, o de transmissão e o de geração...
A empresa está no segmento, olha e tal, mas toda decisão passa por um filtro. A gente pode achar que deve comprar uma caneta, e o conselho avalia que não. E vou ser bem honesto, transparente, tem a questão estratégica.
A Aneel vai calcular a tarifa em cima do investimento prudente que por acaso a gente faça. E a redução de perdas comerciais também serve para mitigar, baixar (o reajuste).
Por que um dos focos de investimento é a redução das perdas comerciais?
A Aneel dá uma curva para seguir. Se não consigo cumprir, destrói o valor do ativo. Quando há perda de energia, outros consumidores vão pagar. Até certo valor, intrínseco à complexidade de cada concessão, é tolerado, mas quando é absurdo, não é justo que a sociedade pague. Ao investir para combater perdas, a sociedade paga menos. Se há menos perdas, há mais arrecadação de ICMS para o governo fazer investimento em educação, saúde. É preciso treinar equipes, fazer o que a gente chama de balanço energético, tem tecnologia para isso. Por exemplo, tenho um transformador na rua e entraram cem unidades de energia, mas só registrei venda de 50, outros 50 sumiram. Vou aferir para saber se é problema na casa A ou B.
Outra preocupação é com o aumento na conta de luz, porque umas bases da Aneel é remunerar investimento, e se for maior, o reajuste também será. A tarifa vai subir muito?
Veja bem, a Aneel avalia se o investimento é prudente ou não. Se você quer reconstruir tudo, fora da realidade, a Aneel tem parâmetros para dizer que não é prudente e não remunerar na tarifa. Vamos fazer algo bem prudente, estudado. A Aneel vai calcular a tarifa em cima do investimento prudente que por acaso a gente faça. E a redução de perdas comerciais também serve para mitigar, baixar (o reajuste).
Tatiana – Quando você investe em redução de perdas, não só beneficia a sociedade, mas aumenta o mercado, o que é um redutor de tarifa. A cada processo de revisão tarifária, o montante de receita requerida para a concessão vai ser dividido pelo mercado. Isso também tende a amenizar o impacto tarifário de um eventual investimento.
Com que missão a Equatorial chega ao Rio Grande do Sul?
Quero reafirmar nosso compromisso com o Estado, sabemos a responsabilidade que assumimos. Além da alegria de entrar no Rio Grande, com todo o respeito, tem a consciência da responsabilidade com o investidor, com a sociedade, com a Aneel. Saber das preocupações é bom, porque quando têm sentido positivo, é bom para a gente melhorar. Sabemos que prestamos serviços para o povo. Somos uma empresa brasileira, de capital aberto, que gera emprego aqui e tem compromisso com o desenvolvimento do país e dos Estados em que atua. Sei que é o meu cliente que paga meu supermercado, a escola do meu filho. Mais do que energia, a gente leva qualidade de vida.