O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Depois de amargar tombo de 13% entre abril e junho, a indústria nacional se destacou ao crescer 14,8% no terceiro trimestre. A retomada após o início da pandemia ajudou o Produto Interno Bruto (PIB) a subir 7,7% de julho a setembro. Em entrevista à coluna, o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), avaliou o resultado e o cenário para as fábricas no país. Leia, a seguir, os principais trechos.
A indústria teve contribuição positiva no PIB do terceiro trimestre. O que explica a alta de 14,8% frente aos três meses anteriores?
A pandemia gerou uma base de comparação muito baixa. Isso favoreceu uma taxa tão alta de recuperação, não só para a indústria, mas para o PIB em geral. A questão a destacar é que a indústria fez a parte dela. Reagiu a ponto de compensar a queda anterior. Estou falando mais da indústria de transformação. Conseguiu adotar protocolos de segurança sanitária que permitiram a retomada.
Outro fator é a demanda interna com base em programas do governo. O auxílio emergencial é direcionado para compra de produtos como alimentos, bebidas e itens de higiene pessoal.
Além disso, há uma taxa de câmbio mais competitiva. Ela não favoreceu, necessariamente, a exportação, porque o comércio internacional está em contração, mas ajudou no processo de substituição de importações. Com os produtos importados em nível mais caro, quem podia buscar um fornecedor nacional para fazer pedidos, fez isso. Por ora, a reação é muito heterogênea.
Por quê?
Há faixas de empresas que não conseguiram sair ainda do negativo. Na indústria automobilística, por exemplo, falta muito para a retomada de padrões anteriores. A produção industrial teve queda no ano passado (de 1,1%). O quadro já não era tão bom.
A pandemia prejudicou muito, mas a primeira etapa da recuperação foi cumprida. A questão agora é saber qual será o nível de crescimento daqui para frente. A gente não pode retornar ao padrão de baixíssimo crescimento de 2017 a 2019. Isso não leva a gente a lugar nenhum.
Como descreve o cenário para o setor?
É muito confuso, muito incerto. Tem a questão epidemiológica, com aceleração no número de casos de coronavírus antes das festas de final de ano e das férias. Mesmo que os governos não decretem isolamento, o consumidor se retrai com a piora nos indicadores de saúde.
Além disso, há uma incerteza sobre o que vai acontecer com as medidas emergenciais no ano que vem. Se programas como o auxílio emergencial forem extintos na virada do ano, podemos ter problema no começo de 2021, uma nova desaceleração do crescimento. Organizações internacionais, como FMI, Banco Mundial, OCDE, estão enfatizando a importância de se manter medidas emergenciais, ajustando, obviamente, a necessidade enquanto houver pandemia.
O problema da covid-19 só vai ser resolvido quando todos os países tiverem a maior parte da população vacinada, imunizada. A chance de ficarmos sem nenhum tipo de estímulo na mudança de calendário, após 31 de dezembro, traz risco importante. Aí seria generalizado. Pegaria todo mundo, incluindo a indústria.
Por outro lado, há algum sinal animador para os próximos meses?
A incerteza vai para os dois lados. Também existem sinais favoráveis do ponto de vista do desenvolvimento de vacinas. À medida que os países conseguirem avançar na agenda de imunização, irão favorecer a retomada da economia mundial. Consequentemente, melhoraria nosso quadro de exportações. Seria muito bom, porque estamos com nível bastante competitivo de taxa de câmbio.
Há a possibilidade de termos a renovação do auxílio emergencial por mais alguns meses ou a criação do Renda Brasil. A taxa de juro bastante baixa (2% ao ano) favorece a decisão de investimento e o consumo de bens duráveis.
Há dúvidas sobre o andamento de reformas como a tributária. O quanto a situação preocupa?
A reforma tributária, mesmo sem efeitos imediatos, daria clara sinalização de um futuro melhor. Com isso, o setor privado poderia se adiantar e planejar o cenário. Seria uma sinalização fantástica. Mas há incertezas na agenda política. É fundamental sabermos quem serão as lideranças na Câmara e no Senado.