O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
A vitória de Joe Biden pode favorecer a economia americana e gerar benefícios para o Brasil. Essa é a avaliação de André Perfeito, uma das vozes mais respeitadas no mercado financeiro. Contudo, o economista-chefe da corretora Necton Investimentos diz ter "receio" sobre a posição do presidente Jair Bolsonaro. Na visão de Perfeito, a derrocada de Donald Trump enfraquece o bolsonarismo, o que pode estimular "manobra populista" por parte do aliado brasileiro. Veja a entrevista a seguir.
Quais são os possíveis impactos da vitória de Biden para a economia brasileira?
O governo brasileiro, particularmente o presidente Jair Bolsonaro, perde um aliado. Bolsonaro se afastou da comunidade de nações. Teve a questão da Amazônia, a briga com a França, a discussão sobre o 5G. A saída de Trump coloca desafios para a diplomacia brasileira. É o primeiro ponto. O segundo é que, pelo viés econômico, Trump não foi exatamente bom para a gente. Colocou tarifa sobre aço, foi um governo mais populista, no sentido de ser mais fechado comercialmente.
Agora, o que se espera é que Biden seja um presidente com atitude mais desenvolvimentista. Ou seja, ele vai querer gastar dinheiro em setores, alimentá-los com investimento estatal. Pretende financiar isso com alta de impostos. No primeiro momento, a sinalização foi vista como ruim, mas o mercado financeiro até entendeu que é melhor aumentar impostos do que elevar a dívida. Fazer os Estados Unidos crescerem é bom para todo o mundo.
Tem outro ponto que é a relação com a China. Tende a ser mais cordial. Essa relação mais cordial cria a expectativa de melhora na economia chinesa. Isso beneficiaria as commodities, o que atingiria o Brasil. Mas é um grande "se", já vimos uma alta expressiva de commodities. São efeitos indiretos para o Brasil. E boa parte do crescimento brasileiro depende da gente. Aí fico um pouco preocupado com Biden, talvez destoando um pouco dos colegas de mercado.
Por quê?
A vitória do Biden força uma leitura de que algum candidato de centro-esquerda tende a ganhar as eleições em 2022 no Brasil. O bolsonarismo, em alguma medida, sai enfraquecido dessa história. Tenho receio de que Bolsonaro tente alguma manobra mais populista. Isso poderia gerar ruídos fiscais, causando uma série de transtornos do jeito que está armada a situação hoje, com possível estouro no teto de gastos. Cobraria um preço em juros.
Em linhas gerais, a vitória do Biden é boa, porque pode fazer a economia americana crescer mais. Por outro lado, diretamente para o Brasil, coloca uma restrição ao bolsonarismo. Pode fazer o presidente ser mais populista, porque pode perder em 2022. Se Trump tivesse vencido, estaria mais tranquilo para Bolsonaro.
Para analistas, a vitória de Biden tende a reforçar a pressão por avanço ambiental no Brasil. Quais podem ser os reflexos econômicos dessa situação?
A questão ambiental é uma política com "P" maiúsculo. Vai ganhar peso ao longo do século. Mas não é por isso que não está vindo investimento para o Brasil. Não está vindo porque a perspectiva de crescimento do Brasil é muito baixa. Não é só o meio ambiente, que é uma desculpa cômoda, talvez até para o governo.
O Biden vai pegar no pé de Bolsonaro por resultados no meio ambiente, mas o que está travando o investimento é um cenário econômico que não está definido. Vai ter reforma tributária? Vamos respeitar o teto de gastos? Vai ter auxílio emergencial em 2021? Vai ter imposto sobre transações digitais? Não estou dizendo isso para falar mal do Bolsonaro ou do ministro Paulo Guedes. O ponto é: não se sabe de nada. Isso não é o Biden, nem a Amazônia. É o governo brasileiro. É a gente com nós mesmos.
Como descreve o cenário para a economia brasileira na reta final de 2020?
Neste ano, há espaço para crescer. Agora, para 2021, tem muitas dúvidas no ar, para dizer o mínimo. Vai ter auxílio? Como será paga a diferença gerada pela desoneração da folha? Há muitos questionamentos para os quais não tenho respostas. Ninguém tem. Isso implica em um cenário de incerteza elevada.
A discussão ficou para depois das eleições municipais. Até agora, não foi determinado nem o presidente da Comissão Mista de Orçamento. De novo, a eleição do Biden é importante, mas existem questões sem respostas dentro do Brasil. Mais do que isso, Biden pode colocar Bolsonaro em situação acuada, o que pode ser perigoso. Bolsonaro pode querer ser mais populista.