A eleição de hoje nos Estados Unidos já foi definida como "maior teste à democracia desde a Guerra Civil". Não é pouco. O que simboliza a incerteza é o fato de as grandes questões serem "quando" e "se", em vez do simples "quem".
– Pode ter prolongamento judicial, indefinição durante algum tempo, Trump pode ganhar mas perder o Senado, o que na prática elimina muito de sua autossuficiência no segundo mandato. Todas essas indefinições provocam instabilidade muito grande, que afeta o mundo inteiro – tenta resumir o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral.
O especialista lembra que a América Latina está longe das prioridades americanas, seja com o republicano Donald Trump, seja com democrata Joe Biden. No foco da política externa dos EUA, estão China, Europa e Oriente Médio. E com o protecionismo inflado pela pandemia, haverá pouco espaço para grandes negociações. Uma coisa é certa, observa Barral: a eleição de Biden deve representar maior aproximação dos EUA à Europa, com a consequente maior cobrança de preservação ambiental ao Brasil e à Indonésia, outro país nessa mira.
– Biden fala muito em mudança climática, então esse seria um tema relevante em seu governo – afirma.
A advertência ficou clara no primeiro debate, quando Biden falou em dar US$ 20 bilhões para cuidar da Amazônia e, se o desmatamento não cessar, haveria "consequências econômicas significativas". Em março, em entrevista à revista Americas Quarterly que voltou a ser citada neste final de semana, Biden havia sido ainda mais claro:
– O presidente Bolsonaro deve saber que, se o Brasil deixar de ser um guardião responsável da floresta amazônica, minha administração reunirá o mundo para garantir que o meio ambiente seja protegido.
Em análises de grandes bancos americanos, o Brasil poderia ser beneficiado, em um governo Biden, pela redução na tensão das relações internacionais, que poderia devolver perdas cambiais. Como o real foi a moeda que mais perdeu valor ante o dólar neste ano, teria chance de recuperar parte. Barral pondera, porém, que o programa econômico do democrata é muito vago. Menciona crescimento, investimentos em infraestrutura, defesa das empresas americanas, mas não entra em detalhes.
– Se Biden se eleger, haverá um segundo momento importante, quando começar a governar e houver clareza sobre suas prioridades.
Em caso de vitória de Trump, segue a proximidade com o presidente Jair Bolsonaro. Favoreceria acordos entre os dois países, mas Barral observa que, como são "muito pontuais", focados apenas em reduzir burocracia e facilitar comércio e investimentos, devem ser mantidos mesmo em um governo Biden, porque não precisam passar pelo Congresso. Mas antes de tudo, será preciso saber "quando" haverá definição de quem é o eleito e "se" quem governar terá apoio do Legislativo.